segunda-feira, 12 de maio de 2025

ADVOCACIA ABUSIVA/PREDATÓRIA: UMA REFLEXÃO SOBRE DESAFIOS, IMPACTOS E CAMINHOS ÉTICOS

 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

A advocacia abusiva, também conhecida como predatória, traz impactos sérios para o Judiciário, as partes e a sociedade. Seu combate passa por regulação, fiscalização, formação ética e inovação. Consolidar uma cultura jurídica mais responsável é fundamental para garantir o respeito à dignidade da profissão e à própria cidadania.

 

Advocacia abusiva é a prática, por parte de profissionais do direito, de ajuizar demandas judiciais em massa, desprovidas de fundamento legal ou fático relevante, visando primordialmente vantagens econômicas ilícitas ou a sobrecarga do sistema judiciário. Esse fenômeno se distingue de litígios legítimos coletivos ou estruturais — necessários e socialmente salutares — porque aqui o objetivo não é buscar justiça, mas utilizar o Judiciário como instrumento de pressão sobre partes adversas (especialmente grandes empresas), negociar acordos automáticos ou ainda lucrar com honorários sem compromisso real com o mérito das causas.

 

São exemplos recorrentes: (i) Propositura massiva de ações idênticas sobre temas julgados em repercussão geral ou repetitivos pelos tribunais superiores, sem respeito à jurisprudência consolidada; (ii) Peticionamento de demandas inverídicas com documentos padronizados para obtenção de “acordos de gabinete”, especialmente nos Juizados Especiais; e, (iii) Apresentação de recursos meramente protelatórios e descabidos, visando apenas retardar a execução ou tumultuar o andamento do processo.

 

Os Impactos Negativos da Advocacia Abusiva.

 

a) Para o Poder Judiciário:

 

Sobrecarga processual: O número excessivo de demandas abusivas contribui para o congestionamento dos tribunais, dilatando prazos e dificultando a prestação jurisdicional célere e eficiente.

 

Desgaste institucional: A credibilidade do Judiciário é abalada, ao ser visto como palco de expedientes oportunistas e não de debates sérios sobre direitos legítimos.

 

b) Para as Partes:

 

Prejuízo financeiro e processual: Réus e autores acabam arcando com custas indevidas, honorários e, muitas vezes, sendo forçados a negociar para evitar desgaste material e emocional.

 

Insegurança jurídica: A proliferação desses litígios enfraquece o princípio da segurança jurídica, dispersando o foco nos processos legítimos.

 

c) Para a Sociedade:

 

Desestímulo ao acesso à justiça: O aumento artificial de demandas prejudica quem realmente precisa do Judiciário, tornando a justiça mais cara e lenta para todos.

 

Desvalorização da advocacia: A imagem da profissão é comprometida, visto que práticas antiéticas contribuem para a generalização de estigmas negativos.

 

As Motivações para a Advocacia Abusiva:

 

a) Econômicas:

 

Os honorários advocatícios em série podem gerar ganhos expressivos com baixo esforço intelectual, sobretudo nas chamadas “ações de prateleira”.

 

Recompensas financeiras rápidas e oportunações para acordos com grandes litisconsortes passivos, tais como bancos e operadoras de telefonia.

 

b) Culturais e Sistêmicas:

 

Sentimento de impunidade diante de penalidades brandas ou fiscalização insuficiente pelos órgãos de classe.

 

Cultura do “volume” em detrimento do compromisso com a qualidade e a ética, estimulada por escritórios que tratam o litígio como linha de produção.

 

c) Éticas:

 

Flexibilização de princípios éticos diante de pressões econômicas, concorrenciais e da própria precarização do mercado jurídico.

 

O Combate à Advocacia Abusiva: Regulação e Instituições:

 

a) Marco Legal

 

O Código de Processo Civil (artigos 80 e 81) prevê punições para litigância de má-fé, incluindo multa e indenização por dano processual.

 

A Legislação de Regência da OAB estabelece padrões éticos e disciplinares, definindo infrações e penalidades para condutas incompatíveis com a dignidade da advocacia.

 

b) Judiciário e Órgãos de Classe

 

Tribunais têm editado súmulas, portarias e decisões que possibilitam o reconhecimento coletivo da litigância predatória, inclusive com bloqueio de demandas, aplicação de multas e envio de representações à OAB.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vem se manifestando publicamente sobre o tema, instaurando processos disciplinares e orientando sobre boas práticas.

 

Sistemas de automação judiciária já identificam padrões repetitivos para alertar as corregedorias.

 

As Boas Práticas e Prevenção.

 

Para Advogados:

 

Avaliar criteriosamente a viabilidade jurídica do caso antes da propositura da demanda, evitando petições padrão sem análise individualizada.

 

Manter-se atualizado com a jurisprudência e privilegiar a solução consensual de conflitos.

 

Para Empresas:

 

Implementar setores de compliance e canais de diálogo com clientes para resolução extrajudicial de demandas.

 

Monitorar causas frequentes e buscar aperfeiçoamento em políticas de atendimento.

 

Para o Sistema de Justiça:

 

Fomentar políticas de conciliação, mediação e arbitragem.

 

Investir na modernização de sistemas de detecção de demandas repetitivas abusivas.

 

Os Desafios, Opiniões e Perspectivas Futuras.

 

Ainda que as iniciativas regulatórias estejam em constante evolução, o desafio maior é de ordem cultural e ética. A advocacia abusiva reflete distorções do próprio mercado jurídico — muitas vezes, alimentadas pelo volume, pela pressão do produtivismo e pela dificuldade de fiscalização.

 

Por isso, a importância das Faculdades de Direito, que são pilares fundamentais para a qualificação do operador jurídico, devendo conjugar rigor técnico, formação ética e compromisso social. Regulamentações são robustas, porém desafios contemporâneos demandam inovação constante, inclusão e efetivação de práticas cidadãs. O aprimoramento da fiscalização e o incentivo à excelência são essenciais para alinhar a formação acadêmica às demandas complexas do cenário jurídico brasileiro.

 

O fortalecimento da cultura ética, com valorização do papel social do advogado, é fundamental. A tecnologia desponta como aliada, facilitando a identificação e o combate a práticas abusivas, mas não substitui a necessidade de formação ética contínua.

 

No futuro, é possível que vejamos:

 

- Restrições procedimentais mais rígidas para ações em massa e recursos protelatórios.

- Ampliação das responsabilidades pessoais de advogados e sociedades de advogados.

- Valorização dos métodos alternativos de resolução de conflitos.

 

Vale registrar o Tema 91 do TJ/MG que foi admitido: necessidade de prévia tentativa de solução administrativa para configuração do interesse de agir, que fixou o entendimento de que o interesse de agir somente é constatado quando o consumidor comprovar que tentou solucionar a controvérsia de forma administrativa, conforme Acórdão exarado no IRDR2922197-81.2022.8.13.0000: https://drive.google.com/file/d/1o1hVDZ0psbXS2rBFgci9obzi7Myz2-qa/view?usp=sharing

- Adoção de mecanismos preventivos (como filtros informatizados) na distribuição das ações judiciais.

 

A advocacia abusiva representa não apenas um desvio do exercício profissional, mas ameaça a credibilidade da justiça, prejudica partes envolvidas e pode inviabilizar o acesso eficiente à tutela jurisdicional. É fundamental que a resposta a esse fenômeno seja sistêmica, preventiva e corretiva, combinando regulação, fiscalização e educação.

 

Enfrentar a advocacia abusiva é missão de toda a comunidade jurídica, exigindo vigilância, reflexão constante e disposição para aperfeiçoar o sistema — sempre em busca de uma Advocacia digna e de uma Justiça efetivamente democrática.

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