Stanley
Martins Frasão
Advogado Sócio de Homero Costa
Advogados
A advocacia abusiva, também
conhecida como predatória, traz impactos sérios para o Judiciário, as partes e
a sociedade. Seu combate passa por regulação, fiscalização, formação ética e
inovação. Consolidar uma cultura jurídica mais responsável é fundamental para
garantir o respeito à dignidade da profissão e à própria cidadania.
Advocacia abusiva é a prática,
por parte de profissionais do direito, de ajuizar demandas judiciais em massa,
desprovidas de fundamento legal ou fático relevante, visando primordialmente
vantagens econômicas ilícitas ou a sobrecarga do sistema judiciário. Esse fenômeno
se distingue de litígios legítimos coletivos ou estruturais — necessários e
socialmente salutares — porque aqui o objetivo não é buscar justiça, mas
utilizar o Judiciário como instrumento de pressão sobre partes adversas
(especialmente grandes empresas), negociar acordos automáticos ou ainda lucrar
com honorários sem compromisso real com o mérito das causas.
São exemplos recorrentes: (i)
Propositura massiva de ações idênticas sobre temas julgados em repercussão
geral ou repetitivos pelos tribunais superiores, sem respeito à jurisprudência
consolidada; (ii) Peticionamento de demandas inverídicas com documentos
padronizados para obtenção de “acordos de gabinete”, especialmente nos Juizados
Especiais; e, (iii) Apresentação de recursos meramente protelatórios e
descabidos, visando apenas retardar a execução ou tumultuar o andamento do
processo.
Os Impactos Negativos da
Advocacia Abusiva.
a) Para o Poder Judiciário:
Sobrecarga processual: O número
excessivo de demandas abusivas contribui para o congestionamento dos tribunais,
dilatando prazos e dificultando a prestação jurisdicional célere e eficiente.
Desgaste institucional: A
credibilidade do Judiciário é abalada, ao ser visto como palco de expedientes
oportunistas e não de debates sérios sobre direitos legítimos.
b) Para as Partes:
Prejuízo financeiro e processual:
Réus e autores acabam arcando com custas indevidas, honorários e, muitas vezes,
sendo forçados a negociar para evitar desgaste material e emocional.
Insegurança jurídica: A proliferação
desses litígios enfraquece o princípio da segurança jurídica, dispersando o
foco nos processos legítimos.
c) Para a Sociedade:
Desestímulo ao acesso à justiça:
O aumento artificial de demandas prejudica quem realmente precisa do
Judiciário, tornando a justiça mais cara e lenta para todos.
Desvalorização da advocacia: A
imagem da profissão é comprometida, visto que práticas antiéticas contribuem
para a generalização de estigmas negativos.
As Motivações para a Advocacia
Abusiva:
a) Econômicas:
Os honorários advocatícios em
série podem gerar ganhos expressivos com baixo esforço intelectual, sobretudo
nas chamadas “ações de prateleira”.
Recompensas financeiras rápidas e
oportunações para acordos com grandes litisconsortes passivos, tais como bancos
e operadoras de telefonia.
b) Culturais e Sistêmicas:
Sentimento de impunidade diante
de penalidades brandas ou fiscalização insuficiente pelos órgãos de classe.
Cultura do “volume” em detrimento
do compromisso com a qualidade e a ética, estimulada por escritórios que tratam
o litígio como linha de produção.
c) Éticas:
Flexibilização de princípios
éticos diante de pressões econômicas, concorrenciais e da própria precarização
do mercado jurídico.
O Combate à Advocacia Abusiva:
Regulação e Instituições:
a) Marco Legal
O Código de Processo Civil
(artigos 80 e 81) prevê punições para litigância de má-fé, incluindo multa e
indenização por dano processual.
A Legislação de Regência da OAB
estabelece padrões éticos e disciplinares, definindo infrações e penalidades
para condutas incompatíveis com a dignidade da advocacia.
b) Judiciário e Órgãos de Classe
Tribunais têm editado súmulas,
portarias e decisões que possibilitam o reconhecimento coletivo da litigância
predatória, inclusive com bloqueio de demandas, aplicação de multas e envio de
representações à OAB.
A Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) vem se manifestando publicamente sobre o tema, instaurando processos
disciplinares e orientando sobre boas práticas.
Sistemas de automação judiciária
já identificam padrões repetitivos para alertar as corregedorias.
As Boas Práticas e Prevenção.
Para Advogados:
Avaliar criteriosamente a
viabilidade jurídica do caso antes da propositura da demanda, evitando petições
padrão sem análise individualizada.
Manter-se atualizado com a
jurisprudência e privilegiar a solução consensual de conflitos.
Para Empresas:
Implementar setores de compliance
e canais de diálogo com clientes para resolução extrajudicial de demandas.
Monitorar causas frequentes e
buscar aperfeiçoamento em políticas de atendimento.
Para o Sistema de Justiça:
Fomentar políticas de
conciliação, mediação e arbitragem.
Investir na modernização de
sistemas de detecção de demandas repetitivas abusivas.
Os Desafios, Opiniões e
Perspectivas Futuras.
Ainda que as iniciativas
regulatórias estejam em constante evolução, o desafio maior é de ordem cultural
e ética. A advocacia abusiva reflete distorções do próprio mercado jurídico —
muitas vezes, alimentadas pelo volume, pela pressão do produtivismo e pela
dificuldade de fiscalização.
Por isso, a importância das
Faculdades de Direito, que são pilares fundamentais para a qualificação do
operador jurídico, devendo conjugar rigor técnico, formação ética e compromisso
social. Regulamentações são robustas, porém desafios contemporâneos demandam
inovação constante, inclusão e efetivação de práticas cidadãs. O aprimoramento
da fiscalização e o incentivo à excelência são essenciais para alinhar a
formação acadêmica às demandas complexas do cenário jurídico brasileiro.
O fortalecimento da cultura
ética, com valorização do papel social do advogado, é fundamental. A tecnologia
desponta como aliada, facilitando a identificação e o combate a práticas
abusivas, mas não substitui a necessidade de formação ética contínua.
No futuro, é possível que
vejamos:
- Restrições procedimentais mais
rígidas para ações em massa e recursos protelatórios.
- Ampliação das responsabilidades
pessoais de advogados e sociedades de advogados.
- Valorização dos métodos
alternativos de resolução de conflitos.
Vale registrar o Tema 91 do TJ/MG
que foi admitido: necessidade de prévia tentativa de solução administrativa
para configuração do interesse de agir, que fixou o entendimento de que o
interesse de agir somente é constatado quando o consumidor comprovar que tentou
solucionar a controvérsia de forma administrativa, conforme Acórdão exarado no
IRDR2922197-81.2022.8.13.0000: https://drive.google.com/file/d/1o1hVDZ0psbXS2rBFgci9obzi7Myz2-qa/view?usp=sharing
- Adoção de mecanismos
preventivos (como filtros informatizados) na distribuição das ações judiciais.
A advocacia abusiva representa
não apenas um desvio do exercício profissional, mas ameaça a credibilidade da
justiça, prejudica partes envolvidas e pode inviabilizar o acesso eficiente à
tutela jurisdicional. É fundamental que a resposta a esse fenômeno seja
sistêmica, preventiva e corretiva, combinando regulação, fiscalização e
educação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário