segunda-feira, 12 de maio de 2025

ADVOCACIA ABUSIVA/PREDATÓRIA: UMA REFLEXÃO SOBRE DESAFIOS, IMPACTOS E CAMINHOS ÉTICOS

 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

A advocacia abusiva, também conhecida como predatória, traz impactos sérios para o Judiciário, as partes e a sociedade. Seu combate passa por regulação, fiscalização, formação ética e inovação. Consolidar uma cultura jurídica mais responsável é fundamental para garantir o respeito à dignidade da profissão e à própria cidadania.

 

Advocacia abusiva é a prática, por parte de profissionais do direito, de ajuizar demandas judiciais em massa, desprovidas de fundamento legal ou fático relevante, visando primordialmente vantagens econômicas ilícitas ou a sobrecarga do sistema judiciário. Esse fenômeno se distingue de litígios legítimos coletivos ou estruturais — necessários e socialmente salutares — porque aqui o objetivo não é buscar justiça, mas utilizar o Judiciário como instrumento de pressão sobre partes adversas (especialmente grandes empresas), negociar acordos automáticos ou ainda lucrar com honorários sem compromisso real com o mérito das causas.

 

São exemplos recorrentes: (i) Propositura massiva de ações idênticas sobre temas julgados em repercussão geral ou repetitivos pelos tribunais superiores, sem respeito à jurisprudência consolidada; (ii) Peticionamento de demandas inverídicas com documentos padronizados para obtenção de “acordos de gabinete”, especialmente nos Juizados Especiais; e, (iii) Apresentação de recursos meramente protelatórios e descabidos, visando apenas retardar a execução ou tumultuar o andamento do processo.

 

Os Impactos Negativos da Advocacia Abusiva.

 

a) Para o Poder Judiciário:

 

Sobrecarga processual: O número excessivo de demandas abusivas contribui para o congestionamento dos tribunais, dilatando prazos e dificultando a prestação jurisdicional célere e eficiente.

 

Desgaste institucional: A credibilidade do Judiciário é abalada, ao ser visto como palco de expedientes oportunistas e não de debates sérios sobre direitos legítimos.

 

b) Para as Partes:

 

Prejuízo financeiro e processual: Réus e autores acabam arcando com custas indevidas, honorários e, muitas vezes, sendo forçados a negociar para evitar desgaste material e emocional.

 

Insegurança jurídica: A proliferação desses litígios enfraquece o princípio da segurança jurídica, dispersando o foco nos processos legítimos.

 

c) Para a Sociedade:

 

Desestímulo ao acesso à justiça: O aumento artificial de demandas prejudica quem realmente precisa do Judiciário, tornando a justiça mais cara e lenta para todos.

 

Desvalorização da advocacia: A imagem da profissão é comprometida, visto que práticas antiéticas contribuem para a generalização de estigmas negativos.

 

As Motivações para a Advocacia Abusiva:

 

a) Econômicas:

 

Os honorários advocatícios em série podem gerar ganhos expressivos com baixo esforço intelectual, sobretudo nas chamadas “ações de prateleira”.

 

Recompensas financeiras rápidas e oportunações para acordos com grandes litisconsortes passivos, tais como bancos e operadoras de telefonia.

 

b) Culturais e Sistêmicas:

 

Sentimento de impunidade diante de penalidades brandas ou fiscalização insuficiente pelos órgãos de classe.

 

Cultura do “volume” em detrimento do compromisso com a qualidade e a ética, estimulada por escritórios que tratam o litígio como linha de produção.

 

c) Éticas:

 

Flexibilização de princípios éticos diante de pressões econômicas, concorrenciais e da própria precarização do mercado jurídico.

 

O Combate à Advocacia Abusiva: Regulação e Instituições:

 

a) Marco Legal

 

O Código de Processo Civil (artigos 80 e 81) prevê punições para litigância de má-fé, incluindo multa e indenização por dano processual.

 

A Legislação de Regência da OAB estabelece padrões éticos e disciplinares, definindo infrações e penalidades para condutas incompatíveis com a dignidade da advocacia.

 

b) Judiciário e Órgãos de Classe

 

Tribunais têm editado súmulas, portarias e decisões que possibilitam o reconhecimento coletivo da litigância predatória, inclusive com bloqueio de demandas, aplicação de multas e envio de representações à OAB.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vem se manifestando publicamente sobre o tema, instaurando processos disciplinares e orientando sobre boas práticas.

 

Sistemas de automação judiciária já identificam padrões repetitivos para alertar as corregedorias.

 

As Boas Práticas e Prevenção.

 

Para Advogados:

 

Avaliar criteriosamente a viabilidade jurídica do caso antes da propositura da demanda, evitando petições padrão sem análise individualizada.

 

Manter-se atualizado com a jurisprudência e privilegiar a solução consensual de conflitos.

 

Para Empresas:

 

Implementar setores de compliance e canais de diálogo com clientes para resolução extrajudicial de demandas.

 

Monitorar causas frequentes e buscar aperfeiçoamento em políticas de atendimento.

 

Para o Sistema de Justiça:

 

Fomentar políticas de conciliação, mediação e arbitragem.

 

Investir na modernização de sistemas de detecção de demandas repetitivas abusivas.

 

Os Desafios, Opiniões e Perspectivas Futuras.

 

Ainda que as iniciativas regulatórias estejam em constante evolução, o desafio maior é de ordem cultural e ética. A advocacia abusiva reflete distorções do próprio mercado jurídico — muitas vezes, alimentadas pelo volume, pela pressão do produtivismo e pela dificuldade de fiscalização.

 

Por isso, a importância das Faculdades de Direito, que são pilares fundamentais para a qualificação do operador jurídico, devendo conjugar rigor técnico, formação ética e compromisso social. Regulamentações são robustas, porém desafios contemporâneos demandam inovação constante, inclusão e efetivação de práticas cidadãs. O aprimoramento da fiscalização e o incentivo à excelência são essenciais para alinhar a formação acadêmica às demandas complexas do cenário jurídico brasileiro.

 

O fortalecimento da cultura ética, com valorização do papel social do advogado, é fundamental. A tecnologia desponta como aliada, facilitando a identificação e o combate a práticas abusivas, mas não substitui a necessidade de formação ética contínua.

 

No futuro, é possível que vejamos:

 

- Restrições procedimentais mais rígidas para ações em massa e recursos protelatórios.

- Ampliação das responsabilidades pessoais de advogados e sociedades de advogados.

- Valorização dos métodos alternativos de resolução de conflitos.

 

Vale registrar o Tema 91 do TJ/MG que foi admitido: necessidade de prévia tentativa de solução administrativa para configuração do interesse de agir, que fixou o entendimento de que o interesse de agir somente é constatado quando o consumidor comprovar que tentou solucionar a controvérsia de forma administrativa, conforme Acórdão exarado no IRDR2922197-81.2022.8.13.0000: https://drive.google.com/file/d/1o1hVDZ0psbXS2rBFgci9obzi7Myz2-qa/view?usp=sharing

- Adoção de mecanismos preventivos (como filtros informatizados) na distribuição das ações judiciais.

 

A advocacia abusiva representa não apenas um desvio do exercício profissional, mas ameaça a credibilidade da justiça, prejudica partes envolvidas e pode inviabilizar o acesso eficiente à tutela jurisdicional. É fundamental que a resposta a esse fenômeno seja sistêmica, preventiva e corretiva, combinando regulação, fiscalização e educação.

 

Enfrentar a advocacia abusiva é missão de toda a comunidade jurídica, exigindo vigilância, reflexão constante e disposição para aperfeiçoar o sistema — sempre em busca de uma Advocacia digna e de uma Justiça efetivamente democrática.

STJ PERMITE PENHORA DE CRIPTOATIVOS


Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

  

O Colendo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por intermédio de sua Terceira Turma, compreende que, no cumprimento de sentença, o Juízo pode encaminhar ofício às corretoras de criptoativos com o propósito de identificar e penhorar possíveis valores existentes em nome de uma parte executada.

 

O Recurso Especial nº 2.127.038-SP surgiu no Tribunal Superior depois de o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”) negar provimento ao Agravo de Instrumento interposto na fase de cumprimento de sentença, em que o exequente defendia a viabilidade de expedição de ofícios para as corretoras, como tentativa para encontrar criptomoedas que pudessem ser penhoradas.

 

O TJSP entendeu que não há regulamentação sobre as operações com criptoativos. Ademais, depreendeu que estaria ausente a garantia de capacidade de conversão desses ativos em moeda de curso forçado.

 

O Ministro Relator, Humberto Martins, observou que, para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, da mesma forma como a execução deve ser processada da maneira menos gravosa para o executado, deve-se atender o interesse do credor que, por meio de penhora, objetiva o pagamento da dívida não paga.

 

Enfatizou o Magistrado que as criptomoedas são ativos financeiros sujeitos à tributação, que necessitam ser declarados à Receita Federal. Segundo afirmou, não obstante não serem consideradas moedas de curso legal, elas possuem valor econômico e são passíveis de retenção. Arrematou o Relator: "Os criptoativos podem ser usados como forma de pagamento e como reserva de valor".

O Ministro ressalvou que, nos moldes do Artigo 789 do Código de Processo Civil, o devedor responde com todo o seu patrimônio pela obrigação não cumprida, excluídas determinadas hipóteses legais. Todavia, através de busca no sistema Sisbajud, não foram encontrados ativos financeiros em instituições bancárias autorizadas.

 

Para o Juiz, afora a expedição de ofício para as corretoras de criptomoedas, ainda é plausível o emprego de providências investigativas para alcançar as carteiras digitais do devedor, com a finalidade de uma penhora eventual.

 

O Ministro ponderou que uma proposta legislativa em tramitação, o Projeto de Lei nº 1.600/2022, estabelece o criptoativo como representação digital de valor, utilizado como ativo financeiro, meio de pagamento e instrumento de acesso a bens e serviços.

 

O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em voto-vista, noticiou que o Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) está elaborando uma ferramenta, denominada Criptojud, para auxiliar a varredura e a obstrução de ativos digitais em corretoras de criptoativos.

 

Destacou Cueva, a indispensabilidade da regulamentação desse setor, frente as dificuldades de ordem técnica pertinentes com a localização, o bloqueio, a custódia e a liquidação de criptoativos, o que traz desafios para o Poder Judiciário nos âmbitos cível e penal.

A ARTE DE ENSINAR A PESCAR: AUTONOMIA VERSUS ASSISTENCIALISMO


 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Assistindo ao filme G20, recentemente, a presidente dos Estados Unidos da América, em seu discurso, narra uma frase que escutou de seu tio: "Dê um peixe a um homem e o alimentará por um dia; ensine-o a pescar e o alimentará por toda vida.", transcende sua atribuição tradicional a Confúcio. Esta parábola milenar, presente em diversas culturas, contrapõe a assistência imediata à capacitação duradoura, ilustrando com precisão o dilema entre soluções temporárias e transformações permanentes.

A sabedoria contida neste provérbio atravessou séculos e continentes, sendo reinterpretada em diferentes contextos culturais. Embora frequentemente atribuída a Confúcio, historiadores apontam que suas raízes podem ser encontradas em tradições orais ainda mais antigas, demonstrando como a percepção da importância do desenvolvimento de habilidades sobre a simples doação é um valor humano universal.

A profundidade filosófica desta metáfora reside na valorização da autonomia como caminho para a dignidade humana. Ao ensinar alguém a pescar, não apenas transferimos uma habilidade técnica, mas cultivamos independência e autoconfiança. O verdadeiro valor não está no peixe em si, mas na capacidade perene de obtê-lo por meios próprios.

Este princípio dialoga diretamente com conceitos filosóficos fundamentais sobre liberdade e realização humana. Filósofos como Immanuel Kant defendiam que a verdadeira autonomia é uma condição essencial para a dignidade, enquanto Paulo Freire argumentava que a educação libertadora deve capacitar as pessoas a se tornarem sujeitos ativos de sua própria história, não meros objetos de caridade.

No âmbito educacional, esta filosofia manifesta-se no contraste entre pedagogias que privilegiam a memorização e aquelas que fomentam o pensamento crítico. Nas políticas sociais, observamos a diferença entre programas assistencialistas e iniciativas de capacitação profissional. O Grameen Bank de Muhammad Yunus exemplifica esta abordagem ao oferecer microcrédito em vez de doações, permitindo que comunidades vulneráveis desenvolvam seus próprios empreendimentos.

Outros exemplos notáveis incluem:

- Programas de educação financeira que capacitam indivíduos a gerenciar recursos e construir patrimônio:

  • Iniciativas de transferência de tecnologia agrícola em comunidades rurais, que substituem a doação de alimentos por conhecimentos sobre cultivo sustentável.
  • Programas de mentoria profissional que, em vez de simplesmente criar vagas subsidiadas, desenvolvem habilidades para o mercado de trabalho.

Contudo, esta parábola apresenta limitações. Em situações de extrema vulnerabilidade ou catástrofes, o "peixe" torna-se imperativo antes do "ensino". Ademais, saber pescar pouco vale sem acesso ao rio ou em águas poluídas – metáfora para barreiras estruturais que impedem que o conhecimento se traduza em prosperidade.

A crítica contemporânea à simplicidade da metáfora também aponta que:

- Estruturas de poder e desigualdades sistêmicas podem impedir que o conhecimento se transforme em oportunidade real:

  • Algumas situações exigem soluções imediatas antes que qualquer processo educativo possa ser efetivo.
  • A metáfora pode inadvertidamente responsabilizar exclusivamente o indivíduo por sua condição, ignorando fatores sociais, políticos e econômicos mais amplos.

A sabedoria reside no equilíbrio: reconhecer quando oferecer o peixe e quando ensinar a pescá-lo. As intervenções mais eficazes combinam assistência imediata com desenvolvimento de capacidades, respeitando a dignidade humana e promovendo autonomia sustentável.

Este equilíbrio se materializa em abordagens híbridas, como:

- Programas que oferecem assistência básica condicionada à participação em capacitações

  • Iniciativas que atendem necessidades imediatas enquanto constroem infraestrutura para soluções de longo prazo.
  • Políticas públicas que reconhecem tanto direitos sociais básicos quanto a importância da educação e do desenvolvimento de capacidades.

A verdadeira generosidade não está apenas em saciar a fome momentânea, mas em cultivar a capacidade perene de autossustento. Nesta delicada alquimia entre assistência e capacitação encontramos o caminho para transformações sociais autênticas e duradouras.

O desafio do século XXI não é escolher entre dar o peixe ou ensinar a pescar, mas sim compreender como estas ações se complementam, reconhecendo que a verdadeira transformação social requer tanto o alívio imediato do sofrimento quanto o desenvolvimento progressivo da autonomia. É neste equilíbrio que se constrói não apenas a sobrevivência, mas a prosperidade e a dignidade humana.

NORMA COLETIVA - DISPENSA DO REGISTRO DE PONTO PARA EMPREGADOS DE NÍVEL SUPERIOR - VALIDADE

 

Orlando José de Almeida

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

 

 

No dia 15/04/2025 foi publicada notícia no site do Tribunal Superior do Trabalho - TST, referente ao julgamento proferido nos autos do processo nº TST- Ag-RRAg-16071-12.2017.5.16.0002, cujo acórdão foi publicado no dia 28/03/2025.

 

A matéria foi intitulada “Norma coletiva que dispensa registro de ponto para empregados de nível superior é validada”.

 

O julgamento decorreu do ajuizamento de Reclamação Trabalhista, por parte de um Engenheiro contra a Vale S.A., sendo alegado que laborava em jornada muito superior à contratada, mas não recebia as horas extras prestadas, motivo pelo qual pleiteou o respectivo pagamento.

 

De outro lado, a Vale sustentou que o Engenheiro não tinha direito ao recebimento das horas suplementares, considerando o Acordo Coletivo celebrado com o Sindicato, que representa a categoria profissional, que dispensa os empregados com nível superior de registrar a jornada.

 

Nas decisões inferiores os julgadores reconheceram a legalidade do Acordo e, nessa mesma direção, foi o pronunciamento da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao negar provimento ao agravo interposto pelo Reclamante.

 

Especificamente em relação ao posicionamento do TST, como aduzido na notícia acima citada, “a ministra relatora, Morgana Richa, ressaltou que o STF já firmou o entendimento de que acordos coletivos podem flexibilizar certos direitos trabalhistas, desde que não afetem garantias fundamentais e indisponíveis. Segundo ela, o controle de jornada não é um direito absolutamente indisponível protegido pela Constituição, razão pela qual foi considerada legítima a cláusula que dispensava os empregados de nível superior do registro de ponto.”

 

De fato, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.121.633-GO, com repercussão geral (Tema 1.046) fixou a tese: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

 

Dessa forma, foi prestigiado o art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, ao preconizar que devem ser reconhecidas as disposições contidas em “convenções e acordos coletivos de trabalho”, em conjunto com o artigo 611-B, da CLT, uma que vez que o Acordo Coletivo não contraria as restrições previstas nessa norma.

 

E para justificar a decisão a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho citou os seguintes julgados:

 

‘AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO. LIMITAÇÃO POR NORMA COLETIVA. VALIDADE. OBSERVÂNCIA DO TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Extrai-se dos autos que o e. TRT concluiu que ‘a pactuação coletiva invocada pela ré em defesa e nas razões de recurso - que convenciona tolerância de 40 minutos na entrada e 40 minutos na saída na assinalação do ponto - é inválida, pois contrária ao disposto no art. 58, § 1º, da CLT‘. Ocorre que o e. STF, no recente julgamento do Tema 1046 da Repercussão Geral, fixou a seguinte tese jurídica: ‘São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis’ . De acordo com a referida tese, é válida norma coletiva que limita ou restringe direito trabalhista, desde que não assegurados constitucionalmente, ou seja, as cláusulas normativas não podem ferir um patamar civilizatório mínimo. Desse modo, não se tratando de direito indisponível há de ser privilegiada a autonomia das partes, conforme previsto no art. 7º, XXVI, da Constituição Federal. Decisão agravada em conformidade com o referido entendimento. Agravo não provido’ (Ag-RR-12238-15.2016.5.15.0045, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 11/ 09/2023).

 

‘[...] II - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. HORAS EXTRAS. TEMPO À DISPOSIÇÃO DE EMPREGADOR. MINUTOS RESIDUAIS REGISTRADOS NOS CARTÕES DE PONTO. NORMA COLETIVA. VALIDADE. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Decisão Regional em que adotado o entendimento de que não é válida norma coletiva que estabelece que ‘as variações da jornada até 30 minutos não envolvem tempo à disposição do empregador a justificar o pagamento de horas extras decorrentes dos chamados minutos residuais‘. Aparente violação do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, nos moldes do art. 896 da CLT, a ensejar o provimento do agravo de instrumento, nos termos do artigo 3º da Resolução Administrativa nº 928/2003. Agravo de instrumento conhecido e provido. III - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. HORAS EXTRAS. TEMPO À DISPOSIÇÃO DE EMPREGADOR. MINUTOS RESIDUAIS REGISTRADOS NOS CARTÕES DE PONTO. NORMA COLETIVA. VALIDADE. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao exame do Tema 1046 de repercussão geral, fixou a tese de que ‘São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis ‘. 2. Não se tratando de direito de indisponibilidade absoluta, recusar aplicação à norma coletiva que elastece os minutos residuais contraria o entendimento fixado pelo STF ao julgamento do Tema 1046. 3. Configurada a violação do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido’ (RR-1000450-08.2017.5.02.0467, 1ª Turma, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 11/09/2023).

 

‘RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 E DO CPC/15 - ADICIONAL NOTURNO - PERCENTUAL SUPERIOR AO PREVISTO EM LEI - LIMITAÇÃO AO PERÍODO ESTRITAMENTE NOTURNO - JORNADA MISTA - NORMA COLETIVA - VALIDADE - TEMA 1046 - REPERCUSSÃO GERAL - AUSENTE A TRANSCENDÊNCIA 1. De acordo com a tese firmada pelo E. STF no Tema 1046 de repercussão geral, ‘ são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis ‘. 2. Na esteira do decidido pelo E. STF em repercussão geral, é válida a norma coletiva que amplia o percentual do adicional noturno para 30%, limitando-o ao período de 22:00 a 5:00. MINUTOS RESIDUAIS - TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR - DESLOCAMENTO PORTARIA-POSTO DE TRABALHO - SUPRESSÃO POR NORMA COLETIVA - POSSIBILIDADE - TEMA 1046 - REPERCUSSÃO GERAL - AUSENTE A TRANSCENDÊNCIA 1. De acordo com a tese firmada pelo E. STF no Tema 1046 de repercussão geral, ‘são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis‘. 2. O pagamento do período de ‘permanência do empregado dentro da empresa, fora da efetiva jornada de trabalho, com a finalidade utilização do tempo para fins particulares, como transações bancárias, serviço de lanche ou café, ou atividade de conveniência do empregado’ (fls. 817) constitui direito trabalhista disponível, sendo passível de afastamento por norma coletiva. Recurso de Revista não conhecido’ (RR-11776-14.2017.5.03.0027, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 02/12/2022).

 

‘RECURSO DE REVISTA. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. DURAÇÃO DO TRABALHO. TEMPO DESPENDIDO NA TROCA DE UNIFORME. NORMA COLETIVA. VALIDADE. OBSERVÂNCIA DO TEMA Nº 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. O Tribunal Regional do Trabalho decidiu que ‘o efetivo tempo despendido na troca de uniforme, no caso convencionado pelas partes em 12 minutos por dia‘. No entanto, registrou o TRT que ‘os acordos coletivos de trabalho limitam o tempo de troca de uniforme a 10 minutos diários‘. O Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento do Tema nº 1046 da Repercussão Geral, fixou a seguinte tese jurídica: ‘são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis‘. Assim, a regra geral é da validade das normas coletivas, ainda que pactuem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, com exceção dos direitos absolutamente indisponíveis, assim entendidos aqueles infensos à negociação sindical, que encontram explicitação taxativa no rol do art. 611-B da CLT. No caso dos autos, o objeto da norma convencional refere-se à jornada de trabalho, matéria que não se enquadra na vedação à negociação coletiva, nos termos da tese descrita no Tema nº 1.046 da Tabela de Repercussão Geral da Suprema Corte . Recurso de revista conhecido e provido’ (RR-1120-41.2018.5.09.0303, 6ª Turma, Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 30/06/2023).

 

‘I - AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. MINUTOS RESIDUAIS. NÃO INTEGRAÇÃO À JORNADA DE TRABALHO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. O eg. Tribunal Regional entendeu inválida a norma coletiva que previu a desconsideração de minutos residuais da jornada de trabalho do reclamante. Demonstrada possível violação do artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo para determinar o reexame do agravo de instrumento. Agravo conhecido e provido. II - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. MINUTOS RESIDUAIS. NÃO INTEGRAÇÃO À JORNADA DE TRABALHO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. 1. A causa versa sobre a validade de norma coletiva que previu a não integração de minutos residuais à jornada de trabalho dos empregados. 2. Reconhece-se a transcendência jurídica da causa, tendo em vista a recente decisão proferida pela Suprema Corte, nos autos do ARE 1121633 (Tema 1046 da Tabela de Repercussão Geral), onde se fixou a tese jurídica ‘São constitucionais os acordos e convenções coletiva que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis’, e, por antever provável ofensa ao art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, determina-se o processamento do recurso de revista, para melhor exame. Agravo de instrumento conhecido e provido. III - RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. MINUTOS RESIDUAIS. NÃO INTEGRAÇÃO À JORNADA DE TRABALHO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. 1. A causa versa sobre a validade de norma coletiva que previu a não integração de minutos residuais à jornada de trabalho dos empregados. 2. É entendimento desta c. Corte Superior que ultrapassado o limite de cinco minutos antes e depois da jornada de trabalho, deve ser considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal, pois configurado tempo à disposição do empregador, não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residuais (Súmula nº 366 do c. TST). 3. Contudo, não há como ser aplicado esse entendimento quando o Tribunal Regional evidencia a existência de norma coletiva prevendo que não integre na jornada de trabalho o tempo de permanência do reclamante nas dependências da reclamada por sua conveniência. 4. Isso porque o caso em análise não diz respeito diretamente à restrição ou à redução de direito indisponível, aquele que resulta em afronta a patamar civilizatório mínimo a ser assegurado ao trabalhador, mas apenas à ‘flexibilização de jornada de trabalho’. 5. Também merece destaque o fato de que a matéria não se encontra elencada no art. 611-B da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017, que menciona os direitos que constituem objeto ilícito de negociação coletiva. 6. Impõe-se, assim, o dever de prestigiar a autonomia da vontade coletiva, sob pena de se vulnerar o art. 7º, XXVI, da CLT e desrespeitar a tese jurídica fixada pela Suprema Corte, nos autos do ARE 1121633 (Tema 1046 da Tabela de Repercussão Geral), de caráter vinculante: ‘São constitucionais os acordos e convenções coletiva que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis’. 7. Reforma-se, assim, a decisão regional para afastar da condenação o pagamento como horas extraordinárias dos minutos residuais, nos termos da norma coletiva. Recurso de revista conhecido por violação do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal e provido’ (RR-12153-22.2016.5.03.0026, 8ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 03/10/2022).

 

O certo é que o Tribunal Superior do Trabalho, seguindo a linha adotada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do ARE nº 1.121.633-GO, que ensejou o Tema 1.046 e a tese acima transcrita, vem mantendo a flexibilização dos direitos trabalhistas e a autonomia da vontade coletiva, nos termos do art. 7º, XXVI, da CF, e do art. 611, da CLT, respeitando-se, naturalmente, as garantias de natureza indisponíveis.

A MORTE, O AVIÃO E O BANHEIRO


Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

Outro dia, voando a dez mil metros de altura, fui surpreendido por um pensamento curioso, que acabei dividindo com um comissário de bordo: por que o banheiro do avião não tem placa de gênero? Não há “masculino” ou “feminino”. Apenas uma porta, um trinco e a necessidade — humana, universal, igual para todos.

 

A experiência de cruzar aquela porta é quase filosófica. Ninguém discute, ninguém reivindica exclusividade. Cada um entra, faz o que precisa. Simples assim. Como a morte, que não pergunta quem você é antes de bater à porta: chega para todos, sem distinção.

 

Aqui embaixo, no chão firme da civilização, continuamos amedrontados. Medo de misturar, de acolher, de aceitar que nem todos cabem nas etiquetas. Há quem transborde os quadrados dos banheiros binários. E isso é tão legítimo quanto qualquer outra identidade.

 

Pessoas trans enfrentam hostilidade. Crianças com pais solo recebem olhares atravessados. Pessoas com deficiência, degraus intransponíveis. E tudo isso por causa de uma necessidade tão elementar — mais simples, impossível.

 

Será que já não passou da hora de criarmos espaços mais generosos? Se até a morte é democrática e os banheiros das alturas também, talvez o problema não esteja nas portas ou nas placas — mas em nós.