Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
As
discussões envolvendo a prática de determinados atos pelos empregadores e se os
mesmos são considerados ofensivos, cada vez se tornam mais comuns, merecendo
destaque para aqueles levados à apreciação da Justiça do Trabalho.
Nesse contexto, algumas controvérsias, relativamente às
manifestações com cunho político tem chamado a atenção, como é a hipótese
daquelas que deram origem ao julgamento proferido pela Segunda Turma do
Tribunal Superior do Trabalho, nos autos nº 10460-31.2016.5.15.0038, cujo
acórdão foi publicado no dia 18 de março do ano em curso.
Logo de plano, vale enfatizar que a Constituição Federal
estabelece no art. 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação”. E o
art. 186, do Código Civil, consagra que “aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
No caso em análise, foi ajuizada uma Ação Coletiva por
Sindicato contra algumas Empresas, vinculadas entre si, sendo que em sentença
da lavra do MM Juiz da 5ª Vara do Trabalho de Campinas, foi reconhecido que
apesar do “esforço da
preposta da primeira reclamada em dizer "que não era protesto contra o
governo", tenho que tal postura reflete uma lamentável tentativa de
distorcer o óbvio. Todas as reportagens colacionadas à inicial mostram que a
rede das rés "se posicionou a favor das manifestações contra o governo
federal e a corrupção", no entanto, foi reconhecido que “a adoção de tal
viés político pela empresa, naquele momento específico de crise, não foi
ilegal”.
Posteriormente, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, ao apreciar o
Recurso que fora manejado, asseverou que “o conjunto probatório constante nos autos, em especial os
documentos de ID 3a7c1df e 207c3f8, revela que, de fato, houve manifestação de
cunho político das empresas a favor das manifestações contra o Governo Federal
e a corrupção” e, adiante, destacou trecho da decisão de primeiro grau, onde
foi indicado que “é absolutamente legítimo o posicionamento político
institucional, inclusive como mote de ações de divulgação e marketing” e, consequentemente, foi confirmada a decisão prolatada na
origem.
Por outro lado, os Ministros da Segunda Turma do Tribunal
Superior do Trabalho, de forma unânime, conheceram do Recurso de Revista
interposto pelo Sindicato e derem provimento ao apelo para condenar as Rés,
solidariamente, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no importe
de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), a ser revertida ao FAT.
Na ementa do acórdão consta que “a figura do assédio
eleitoral no ambiente de trabalho pode ser definida como o abuso de poder
patronal, por meio de coação, intimidação, ameaça ou constrangimento, com o
objetivo de influenciar ou mesmo impedir o voto dos trabalhadores. Assim, a
interferência do empregador na liberdade de orientação política do empregado
contraria a configuração do Estado Democrático de Direito de que trata o art.
1.º da Constituição Federal, que tem como fundamentos, entre outros, a
dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (incisos III e V),
configurando prática de ato ilícito trabalhista”, sendo que na sequência restou
afirmando que “no caso concreto, ao contrário do que entenderam as instâncias
ordinárias, a campanha ostensiva de cunho político-partidário por parte das rés
no ambiente de trabalho implicou abuso do poder diretivo empresarial. O fato de
não restar “comprovada qualquer imposição de convicções políticas por parte dos
reclamados aos trabalhadores” não é suficiente a afastar a ingerência das rés
sobre o direito de escolha dos empregados. Por certo, a conduta do empregador,
ainda que não tenha obrigado os empregados a usarem broches, acessórios e/ou
cartazes, impôs a eles a participação na campanha, cerceando-lhes o direito à
livre manifestação de pensamento e ideologia política. O poder diretivo do
empregador não contempla a imposição de convicções políticas. É preciso
reconhecer nos dias atuais práticas, nem sempre deliberadas, que remontam ao
“voto de cabresto”, tão comum na chamada República Velha, para rechaçá-las de
forma veemente e conferir efetividade à democracia e ao sistema eleitoral
brasileiro. Ao entender que “é absolutamente legítimo o posicionamento
político institucional, inclusive como mote de ações de divulgação e marketing”,
o Tribunal Regional adota entendimento que vai de encontro às políticas
públicas voltadas à erradicação de práticas antidemocráticas.”
Além de outras normas, quando do julgamento, foram analisados
os incisos VI e VIII, do artigo 5º, da Constituição.
Os citados dispositivos consagram que é “inviolável a liberdade de consciência”
e que “ninguém
será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política”.
Os julgadores chamaram a atenção
para o fato de que a Convenção nº 111, da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), define em seu artigo 1º, o termo
“discriminação” como “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em
raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social,
que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de
tratamento no emprego ou profissão”.
Não menos relevante é a lembrança do disposto no acordo de
Cooperação Técnica celebrado em 16/5/2023 entre o Tribunal Superior Eleitoral e
o Ministério Público do Trabalho. No instrumento o assédio eleitoral é definido
como “qualquer ato que represente uma conduta abusiva por parte das
empregadoras e dos empregadores que atente contra a dignidade do trabalhador,
submetendo-o a constrangimentos e humilhações, com a finalidade de obter o
engajamento objetivo da vítima em relação a determinadas práticas ou
comportamentos de natureza política durante o pleito eleitoral, caracterizando
ilegítima interferência nas orientações pessoais, políticas, filosóficas ou
eleitorais das trabalhadoras e dos trabalhadores”.
O que pode ser observado, notadamente a partir do mencionado
processo, que a matéria é controvertida e certamente suscitará outros
questionamentos e divergentes posicionamentos.
O certo é que para
configurar o dano moral coletivo, a conduta antijurídica deve ultrapassar os
limites do individualismo, atingindo determinado grupo de pessoas, gerando o
dever de reparação.
Apesar da
profundidade da análise realizada na fundamentação, ao que nos parece, houve considerável rigor no julgamento
prolatado pela C. Turma do TST, ao reconhecer como ilícitas as condutas das
empresas Reclamadas.
É que, como bem
pontuado pelo julgador em primeiro grau, "partindo da
premissa de que vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde as pessoas
jurídicas também têm direitos fundamentais atrelados à liberdade de expressão
(artigo 5º, e inciso IX da CRFB), é absolutamente legítimo o posicionamento
político institucional, inclusive como mote de ações de divulgação e marketing.
A livre iniciativa, como fundamento da república (artigo 1º, IV da CRFB),
ratifica esta possibilidade.”
E, prosseguiu aduzindo
que “é natural, também, que tais direitos fundamentais das rés encontrem
limites e restrições, principalmente naquilo em que pode colidir com outros
direitos fundamentais, por exemplo, dos empregados que lhes são vinculados.
Neste ponto, as empresas estariam abusando de suas liberdades, se impusessem
aos seus empregados o uso obrigatório de emblemas partidários (em broches ou
uniformes), ou mesmo a panfletagem partidária perante clientes. Nada disso,
contudo, foi comprovado nos autos."
O direito à liberdade de expressão, consagrado na
Constituição da República – art. 5º, inciso
IX -, pode e deve ser manifestado, desde que de forma razoável,
naturalmente sem constrangimento, ofensa ou com a intenção de direcionar o
posicionamento político de cada indivíduo, tal como ponderado na sentença
originária.
Mas
para minimizar o risco de dissabores, como os acima citados, levados à
apreciação do Judiciário, recomendamos a adoção de condutas ou regulamentos
claros nas organizações, de modo a inibir a interferência na orientação
política dos empregados, evitando-se atitudes que podem caracterizar o
denominado assédio eleitoral no ambiente de trabalho.
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