Stanley Martins Frasão
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
A OCDE - Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico publicou o relatório "Regulatory
Reform in Brazil", no qual, na parte de serviços da economia brasileira,
inclui a Advocacia: (https://www.migalhas.com.br/quentes/368979/reforma-regulamentar-da-ocde-pode-inviabilizar-funcao-da-oab
):
- Reavaliar a
obrigatoriedade da inscrição na OAB para o exercício da advocacia;
- Reconsiderar a exigência
de que advogados estrangeiros tenham que passar pelo Exame de Ordem;
- Considerar a possibilidade
de o Exame de Ordem ser realizado por autoridade pública independente, ao invés
da OAB;
- Considerar retirar as
restrições à atuação de um mesmo advogado em diferentes estados da federação
(seccionais da OAB;
- Reavaliar a
obrigatoriedade da inscrição na OAB para o exercício da advocacia, entendida
comumente como responsável pela manutenção de uma conduta adequada, consistente
e regrada por parte dos advogados a nível nacional;
- Aumentar o nível de
competitividade nas cobranças pelos serviços prestados a partir da remoção de
regulações e recomendações relativas a valores dos honorários;
- Acabar com o impedimento à
associação entre a advocacia e outros tipos de empreendimento comercial;
- Remover restrições
consideradas desnecessárias, entre as quais é citada a proibição a anúncios e
propagandas de serviços de advocacia.
Como bem classificou o
presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, as exigências em relação
a advocacia são "absurdas e despropositadas": (https://www.migalhas.com.br/quentes/369009/exigencias-absurdas--diz-beto-simonetti-sobre-reforma-da-ocde
).
Tenho que concordar.
Passo a analisar, uma a uma,
as “reformas” constantes no mencionado Relatório da OCDE:
-
Reavaliar a obrigatoriedade da inscrição na OAB para o exercício da advocacia;
Não há o que transigir,
afinal a Constituição da República em seu artigo 133 prescreve:
Art. 133. O advogado é
indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
E a Lei 8.906/1994:
“Art. 2º O advogado é
indispensável à administração da justiça.
§ 1º
No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função
social. ”
O Art. 3º da Lei 8.906,
prescreve que “O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e
a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB).”
O procedimento de inscrição
nos quadros da OAB, na forma do Art. 8º da Lei 8.906, deixa claro a própria
simplicidade dos requisitos necessários:
Art. 8º Para inscrição como
advogado é necessário:
II -
diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino
oficialmente autorizada e credenciada;
III
- título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV -
aprovação em Exame de Ordem;
V -
não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VII
- prestar compromisso perante o conselho.
§ 1º
O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.
§ 2º
O estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em direito no Brasil, deve
fazer prova do título de graduação, obtido em instituição estrangeira,
devidamente revalidado, além de atender aos demais requisitos previstos neste
artigo.
§ 3º
A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada
mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os
membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do
processo disciplinar.
§ 4º
Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por
crime infamante, salvo reabilitação judicial.
Como se vê, além da clareza
da vasta legislação, a verdade é que tal exigência protege a população de
profissionais não qualificados.
-
Reconsiderar a exigência de que advogados estrangeiros tenham que passar pelo
Exame de Ordem;
Não há motivação para
reconsideração, porque não se atende ao Princípio da Reciprocidade.
O Provimento 91/2000, que
dispõe sobre o exercício da atividade de consultores e sociedades de
consultores em direito estrangeiro no Brasil, permite ao estrangeiro
profissional em direito, regularmente admitido em seu país, a exercer a
advocacia com limites, sendo que a autorização da Ordem dos Advogados do
Brasil, sempre concedida a título precário, permitirá exclusivamente a prática
de consultoria no direito estrangeiro correspondente ao país ou estado de
origem do profissional interessado, sendo vedado expressamente, mesmo com o
concurso de advogados ou sociedades de advogados nacionais, regularmente
inscritos ou registrados na OAB o exercício pleno da advocacia no Brasil. (https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/91-2000)
Sobre este assunto, vale
lembrar que o Conselho Federal da OAB nomeou a Comissão Especial de Avaliação
da Adesão do Brasil à OCDE, presidida por Gustavo Brigagão, atual presidente do
CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, integrada também por
Luciana Mattar Vilela Nemer, Vice-presidente, e Bruno Barata Magalhães,
Secretário. Estes emitiram Parecer Jurídico (https://www.homerocosta.adv.br/wp-content/uploads/2022/07/Parecer-OCDE-advocacia-CFOAB-assinado.pdf), cujo objeto foi: “Desdobramentos do ingresso do
Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”)
quanto à possibilidade e à conveniência de que se mantenham vigentes as regras
que atualmente disciplinam a prestação de serviços advocatícios no país por
escritórios e profissionais estrangeiros. ”
Aludida Comissão indicou
que:
“...
dos 36 países que atualmente compõem a OCDE, 19 estabelecem algum tipo de
restrição à prestação de serviços jurídicos por profissionais egressos ou
situados em outros países (Áustria, Bélgica, Chile, Dinamarca, Finlândia,
Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Japão, Coréia do Sul, Letônia, Lituânia, México,
Polônia, Espanha, Suécia, Suíça e Turquia).
Essas
ressalvas variam de estado para estado, e vão desde a vedação plena à prestação
de serviços advocatícios por não nacionais (Áustria, Coréia do Sul, Espanha,
Grécia e México), até restrições mais tênues, como a imposição de que o
profissional seja residente no país (Alemanha e Dinamarca), ou o impedimento de
que estrangeiros representem clientes em tribunais (Polônia, Suécia). ”
E concluiu, em 21 de outubro
de 2020:
“Conclui-se,
pois, que os requisitos previstos no art. 8º do Estatuto da Advocacia para a
inscrição como advogado nos quadros da OAB estão em consonância com o caráter
singular conferido à advocacia pela Constituição Federal, que comporta os
estrangeiros, desde que cumpram os incisos do citado artigo. Além disso, o
Provimento nº 91/2000 apenas regulamenta matéria legalmente respaldada, o que
exclui a possibilidade de novo Provimento do Conselho Federal da OAB ampliar as
autorizações previstas aos consultores em direito estrangeiro e às sociedades
por estes formadas. Por sua vez, minuciar as regras previstas pelo Provimento
nº 91/2000 através de novo provimento já foi considerado inviável pelo Conselho
Federal, sendo que a adesão do Brasil à OCDE não apresenta novas razões que
deem ensejo a essa medida. Desta feita, convém apenas reiterar a aplicação do
Provimento nº 91/2000, que bem atende aos princípios norteadores da advocacia e
da Ordem dos Advogados do Brasil.
A
partir dos fundamentos expostos, é o parecer no sentido de que seja emitido
Ofício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil à Presidência da
República para requerer que se instituam reservas / ressalvas do dever de
liberalização, no momento da sua adesão ao Código, no que se refere à prestação
dos serviços jurídicos contemplados pelo art. 1º da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto
da Advocacia e da OAB), isto é, a postulação a qualquer órgão do Poder
Judiciário e aos juizados especiais e as atividades de consultoria, assessoria
e direção jurídicas, Operações Invisíveis em relação às quais o Brasil deve
manter restrição em decorrência da sua relevância para a soberania e ordem
institucional.”
Cumpre lembrar que há
ressalva em relação à Portugal.
O Provimento Nº 129/2008 do
Conselho Federal da OAB, regulamenta a inscrição de advogados de nacionalidade
portuguesa na Ordem dos Advogados do Brasil (https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/129-2008?search=portugal&provimentos=True
).
A inscrição de advogado
brasileiro em Portugal segue artigo 201º do EOA e os artigos 17º a 19º do RIAAE
(https://portal.oa.pt/media/118601/inscricao-de-advogado-brasileiro.pdf
).
-
Considerar a possibilidade de o Exame de Ordem ser realizado por autoridade
pública independente, ao invés da OAB;
O Conselho Federal da OAB é
o órgão responsável pelo Exame de Ordem e também por promover, com exclusividade,
a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a
República Federativa do Brasil (Art. 44, II, Lei 8.906), não havendo motivos ou
justificativas para modificação.
-
Considerar retirar as restrições à atuação de um mesmo advogado em diferentes
estados da federação (seccionais da OAB), o que significaria o fim da inscrição
suplementar;
Esta consideração eu
admitiria, porque o advogado é advogado em todo o Brasil, sendo desnecessária e
onerosa a inscrição suplementar. O Exame de Ordem é nacional!
A Lei nº 11.419, de 19 de
dezembro de 2006, dispõe sobre a informatização do processo judicial. Nos
termos do artigo 1º, o uso de meio eletrônico na tramitação de processos
judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido
nos termos desta Lei.
A partir da vigência da supracitada
Lei, advogados brasileiros podem advogar de qualquer lugar do mundo, o que
demonstra o próprio enfraquecimento da Inscrição Suplementar para advogados.
Aliás, o Provimento 112/2006,
artigo 7º, §1º, flexibilizou a regra, exclusivamente, em relação aos sócios de
serviço, dispensando-os da inscrição suplementar desde que não venham a exercer
a advocacia na respectiva base territorial da filial.
-
Reavaliar a obrigatoriedade da inscrição na OAB para o exercício da advocacia,
entendida comumente como responsável pela manutenção de uma conduta adequada,
consistente e regrada por parte dos advogados a nível nacional;
Não. Porque causaria um
desdém à proteção dos jurisdicionados, que são os destinatários finais dos
serviços jurídicos. O controle exercido pela Ordem dos Advogados, aos
profissionais inscritos em seus quadros, além de decorrer da Lei, é ato de
segurança jurídica. Sem essa segurança, os jurisdicionados ficariam totalmente
vulneráveis.
Aliás, os novos dispositivos
trazidos ao EAOAB pela Lei 14.365/2022, bem retratam e ratificam a responsabilidade de fiscalização
do Conselho Federal da OAB (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm).
-
Aumentar o nível de competitividade nas cobranças pelos serviços prestados a
partir da remoção de regulações e recomendações relativas a valores dos
honorários;
Não. Isso representaria uma
pá de cal contra o tão combatido aviltamento de honorários.
-
Acabar com o impedimento à associação entre a advocacia e outros tipos de
empreendimento comercial;
A Advocacia não comporta
este tipo de associação, porque fere sua própria essência. A proibição de divulgação
de advocacia em conjunto com outra atividade é histórica e tem por finalidade o
sigilo que permeia a profissão.
-
Remover restrições consideradas desnecessárias, entre as quais é citada a
proibição a anúncios e propagandas de serviços de advocacia.
Não. Isso traria a
mercantilização da profissão. A publicidade para os advogados e espécies de
sociedades de advogados guarda relação, também, com o comando do art. 37, § 1º.
da Constituição Federal:
Art. 37. § 1º A publicidade
dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter
caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos.
Conversei com o Professor Paulo
Roberto de Gouvêa Medina, Medalha Rui Barbosa, Gestão 2013-2016 (https://www.oab.org.br/noticia/26671/paulo-roberto-de-gouvea-medina-e-homenageado-com-a-medalha-rui-barbosa),
que está perplexo com o assunto, assim se pronunciando:
“Querem
acabar com a Ordem e desqualificar a advocacia. Ignoram que a Ordem foi criada
para exercer o poder de polícia administrativa sobre a profissão, atuando nesse
campo por delegação do Estado. E que a advocacia é profissão liberal, cujo
exercício não pode confundir-se com atividades empresariais nem degenerar na
prática da mercancia. Trata-se de proposta que envolve um misto de ignorância e
má-fé, mal encobrindo os interesses inconfessáveis que estão por trás dela. Nem
no tempo dos rábulas as ameaças de desmoralização da advocacia foram tão longe.
”
Fica o alerta do Professor
não só à OAB, mas também às suas Seccionais, dirigentes, Sociedades de
Advogados, Advogadas, Advogados, Estagiárias e Estagiários.
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