terça-feira, 1 de outubro de 2013

Vigilância patrimonial não ostensiva face a Regulamentação da Segurança Privada

Juliana Mello Vieira

Advogada, Mestre em Ciências Juridico-Civilisticas  pela Universidade de Coimbra

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 18 em 30/09/2009


A atividade de segurança privada, a despeito do risco que envolve, nomeadamente nos grandes centros urbanos onde a violência se revela com maior intensidade, ainda não encontra uma regulamentação apropriada no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Muitas são as personagens envolvidas no processo de discussão e na elaboração de projetos de lei nesta seara, com maior relevo as empresas especializadas em vigilância privada, associações de agentes de segurança e órgãos públicos de controle, como é o caso da Polícia Federal.
O único diploma vigente onde se encontra alguma referência legal ao segmento é a lei 7.102/83 (regulamentada pelo Decreto 89.056/83), que trata mais especificamente da vigilância privada de instituições financeiras.

Nestes termos, o foco de análise deste breve texto será o Projeto de lei em trâmite perante o Congresso Nacional, proposição n. 5247/2009¹, também conhecida como o “Estatuto da Segurança Privada”, que propõe a regulamentação da atividade de segurança privada em todas as suas vertentes, em especial a empresarial, sendo o recorte para estudo o alcance objetivo do Estatuto, ou seja, quais atividades de segurança privada estarão abraçadas pela nova regulamentação.

Para o estudo ora proposto, faz-se necessário tecer algumas breves considerações preliminares, quais sejam:

(i) o PL tramita em apenso à proposição 4305/2004², que regulará a profissão de agente de segurança privado, e que, por sua vez, tramita em conjunto ao PL 4436/2008³, que quer garantir ao agente de segurança/vigilante o direito ao recebimento de adicional de periculosidade.
 
(ii) a atividade de segurança privada, seja na legislação atual, seja no PL n. 5247/2009, pode ser exercida por empresa especializada ou por funcionários do quadro próprio da empresa que não tenha como objeto fim o exercício da vigilância privada, sendo neste caso configurado o “serviço orgânico de segurança”, ou seja, é facultado à empresa criar seu próprio sistema de segurança patrimonial.
 
(iii) o exercício da vigilância privada, seja pela empresa especializada seja pelo “serviço orgânico de segurança” (executada por quadro próprio de empresa de fim diverso), se submeterá, como sói ocorrer com as instituições financeiras sujeitas à lei 7.102/83, ao controle do Departamento de Polícia Federal, e, para o custeio de tal fiscalização, estará sujeito a taxas administrativas fixadas em lei.
 
(iv) o PL cria restrições à contratação de seguros contra roubo e furto qualificado de bens, ativos ou numerário, na hipótese da empresa não comprovar o cumprimento das exigências legais para a execução de atividade de segurança privada (art. 2º, §6º), tipificando, ainda,  infrações administrativas e tipo penal para o caso de contratação de serviços não autorizados (arts. 20 a 25).

Isto posto, e limitando-se ao enfoque do conceito da atividade de segurança privada a ser regulamentada, vejamos quais entendimentos podem ser suscitados:

Dentre as inovações propostas pelo PL, merecem aqui maior destaque a que insere na definição da atividade de segurança privada a atividade desarmada (art. 1º), e a que acrescenta dentra as atividades típicas a de “executar a segurança patrimonial, com a finalidade de prevenir ou reprimir ilícitos que atentem contra o patrimônio”, seja ela exercida por empresa especializada seja pelo “serviço orgânico de segurança” (art. 2º, II c/c §1º).

Em uma análise literal da proposição, pode-se apreender que toda e qualquer atividade executada pela empresa no exercício de seu direito de autodefesa da propriedade estaria configurada como atividade de segurança privada, na modalidade de “serviço orgânico de segurança”, e submetida à regulamentação e controle propostos, tal e qual ocorre e ocorrerá a qualquer vigilância privada armada/ostensiva executada por empresa especializada ou por serviço próprio.

Contudo, cumpre argumentar, buscando um entendimento sistemático e teleológico da norma, que a atividade que se quer regulamentar e submeter a um controle mais rígido seria a atividade de segurança privada que envolva risco efetivo e que pressuponha o uso de armamento e equipamentos suficientes e capazes de efetivamente impedir a prática criminosa, ou seja, a vigilância privada ostensiva.

O PL mantém em grande parte a abordagem oferecida pela lei 7.102/83, a qual adota expressamente como parâmetro para a intervenção a vigilância ostensiva (vide artigo10, §4º), que, por definição refere-se à: “atividade exercida no interior dos estabelecimentos e em transporte de valores, por pessoas uniformizadas e adequadamente preparadas para impedir ou inibir ações criminosas” (art. 5º, Decreto 89.056/83).

E, nesse sentir, a lei 7.102/83, assim como o PL 5247/09, asseguram ao vigilante e ao agente de segurança, como instrumento inerente a sua atividade, o uso de arma de fogo e munições (art. 18, III, do PL).

Ademais, conforme já apontado em tópico anterior, o projeto do Estatuto tramita em apenso ao projeto para a regulamentação da profissão de “agente de segurança privado”. Nos termos propostos pelo PL 4305/04, agente de segurança privado é “o profissional que com habitualidade presta serviços armado de segurança e proteção, mediante contrato de trabalho com empresas especializadas em segurança e proteção de bens e de pessoas” (art. 2º), sendo sua atividade exclusiva “exercer vigilância patrimonial ostensiva a pessoas jurídicas” (art. 4º, VI).

Um dos intentos de tais projetos, incluindo o PL 4436/08 que também tramita em apenso, é tornar a atividade do vigilante ou agente de segurança legalmente perigosa, com maior proteção e controle.

Ora, não há como se igualar ou equiparar a atividade de vigilância patrimonial ostensiva e armada, conforme tratado pela legislação atual ou pelos projetos em tramitação, com uma atividade de mera fiscalização de estabelecimento, ou o que se poderia chamar uma vigilância patrimonial “branca”, sem uso de qualquer armamento ou qualquer ostensividade.

O risco inerente às duas atividades é absolutamente distinto, o que impõe uma regulamentação e eventual controle igualmente distintos e apropriados. Assim também os ônus e restrições impostos às empresas que optam por cada espécie de vigilância deve ser condizente à atividade e ao risco que ela implica.

Evidentemente que a tramitação da proposta ainda deve suscitar debates em torno do melhor modelo a ser aplicado para a regulamentação da categoria, o que pode provocar uma nova redação que conceitue com maior rigor as atividades inseridas na segurança privada que se quer regulamentar, oferecendo um tratamento distinto às diversas formas de exercício da vigilância patrimonial.

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