segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O AFASTAMENTO DE TRIBUTOS SOBRE A INDENIZAÇÃO POR SINISTRO DE BENS DO ATIVO IMOBILIZADO


 Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

A Segunda Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em decisão unânime, definiu no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 2.140.074/SP, que não incidem IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre valores recebidos a título de indenização securitária por sinistros com veículos do ativo imobilizado de locadora de automóveis. Na ocasião, compreendeu a Corte, que esses valores possuem natureza de recomposição patrimonial, e não de acréscimo patrimonial ou receita, removendo-os da regra matriz de incidência dos tributos mencionados. Ainda que contabilmente lançados como receita, essas quantias não caracterizam renda tributável de acordo com o Artigo 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”), nem se delimitam como faturamento ou receita bruta, devendo, por esta razão, ser excluídos da base de cálculo dos tributos federais em referência.

A tese firmada pela Segunda Turma afeta, de maneira instantânea, a empresas locadoras de veículos que trabalham com frotas próprias e contratam seguros para cobertura de danos aos bens do ativo imobilizado. Ao rechaçar a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre os valores recebidos a título de indenização securitária, o Tribunal Superior limita com mais exatidão o que pode e o que não pode ser encarado como receita tributável no ambiente de operações patrimoniais não negociais. Essa diretriz inclina-se a refletir particularmente sobre estruturas empresariais que fazem da proteção securitária uma frente importante de abrandamento de ameaças operacionais, como nos casos das holdings patrimoniais, das concessionárias de frota e das companhias com grande evidenciação física ao sinistro de bens duráveis.

Igualmente importa a outros campos empresariais nos quais os ativos são protegidos por seguros de danos e que, perante perdas materiais, obtêm valores indenizatórios avantajados. Alguns segmentos corporativos, como indústrias, empresas de transporte e armazenagem, shoppings e empreendimentos imobiliários, a título de exemplo, têm na decisão um precedente que auxilia a afugentar autuações fiscais apoiadas exclusivamente nos registros contábeis. O predomínio do critério jurídico-tributário sobre a categorização contábil outorga maior segurança jurídica à administração de passivos fiscais decorrentes de sinistros, singularmente quando as importâncias em questão afetam rigorosamente a demonstração de resultados das empresas.

A discussão acerca da tributação de indenizações securitárias em casos de sinistro envolvendo bens do ativo imobilizado não é recente, mas voltou a ganhar popularidade frente as autuações fiscais que adotam como parâmetro a classificação contábil dos valores recebidos. Comumente, empresas que padecem de perdas materiais, como veículos destruídos ou equipamentos sinistrados, obtêm da seguradora quantias compensatórias para restaurar o dano. Na perspectiva contábil, essas entradas costumam ser anotadas como receita, o que, simplesmente, tem sido razoável para a Receita Federal do Brasil qualifica-los como fatos geradores de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

A polêmica se expandiu à proporção que as fiscalizações passaram a desprezar a natureza jurídica desses valores, sustentando-os como se representassem acréscimos patrimoniais líquidos ou faturamento. Essa dialética tributária, amparada unicamente na técnica contábil, não leva em consideração que a indenização securitária, por definição, não incrementa o patrimônio do segurado, mas tão somente o ressarce ao estado anterior ao sinistro. A separação entre a representação contábil e o conceito jurídico-tributário tornou-se, assim, um dos principais pontos de objeção nos âmbitos administrativo e judicial.

Sob o ângulo normativo, o CTN, no seu Artigo 43, impõe, para a incidência do imposto de renda, a existência de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. Na hipótese da CSLL, que segue os parâmetros do IRPJ, o pensamento é equivalente. Já para as contribuições ao PIS e à COFINS, o ordenamento jurídico obriga que o fato gerador esteja vinculado a receita bruta ou faturamento, regras que presumem o comportamento de uma atividade econômica remunerada. A inexistência desses componentes no recebimento da indenização securitária é o que justifica o segregamento dessas quantias da base de cálculo dos tributos citados.

Defronte desse embaraço teórico, o Colendo Superior Tribunal de Justiça foi chamado a examinar se a maneira como tais importâncias são lançadas pela contabilidade deve predominar sobre os critérios jurídicos que norteiam a incidência tributária.

Ao encarar o conflito, a Segunda Turma saiu da diferenciação elementar entre a classificação jurídica de renda e o registro contábil de receitas. O exame se organizou sobre o pensamento de que a indenização securitária recebida em razão de sinistros sobre bens do ativo imobilizado não caracteriza manifestação de riqueza nova, mas compensação por uma perda patrimonial precedentemente consumada. Com amparo nesse ponto de vista, o Tribunal ratificou que o método de disponibilidade econômica ou jurídica — posto pelo Artigo 43 do Código Tributário Nacional para definição da renda tributável — não se constata em circunstâncias de reorganização patrimonial.

A Corte também destacou a hegemonia da dialética tributária sobre a classificação contábil quando se trata de balizar os elementos da central de incidência. Mesmo na eventualidade de que a entrada esteja nos demonstrativos financeiros como receita, esse dimensionamento técnico não pode, por si só, validar a incidência de tributos cuja hipótese de incidência reclama, materialmente, a presença de acréscimo patrimonial no caso do IRPJ e da CSLL ou de receita proveniente do exercício da atividade econômica como previsto para o PIS e a COFINS. A atribuição educadora da contabilidade é importante, mas não altera o conteúdo normativo da legislação tributária.

Nessa conjuntura, o STJ salientou que a indenização securitária, principalmente nos contratos de seguro de dano, tem como objetivo restaurar perdas materiais, configurando-se como verba indenizatória de um dano emergente, e não como consequência positiva de uma atividade lucrativa. Afugentou, assim, qualquer tentativa de enquadrar esses valores no conceito de receita bruta ou faturamento, porque não significam operação mercantil nem importam em contraprestação econômica por bens ou serviços fornecidos ao mercado.

A decisão, ao empregar a regra mãe a partir da substância jurídica das importâncias recebidas, comprova a independência conceitual do direito tributário e define o alcance de interpretações fiscais embasadas somente em classificações formais ou em expedientes administrativos de cobrança.

A direção estipulada pela Segunda Turma robustece um posicionamento que se inclina a ecoar sem desvios sobre a forma como a Receita Federal do Brasil percebe os efeitos fiscais de indenizações securitárias em conjunturas. Companhias com patrimônio ativo considerável, passam a contar com um precedente que demarca de forma nítida a natureza jurídica desses ingressos, enxotando a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre verbas que objetivem tão somente à recomposição de perdas.

Mesmo que não se trate de hipótese de julgamento de recurso repetitivo, a decisão propõe efeitos interpretativos sobre autuações fiscais amparadas estritamente na qualificação contábil dessas quantias como receitas. Ao admitir que a categorização contábil não tem preferência na definição da regra matriz de incidência, o Tribunal tonifica uma conduta que pode ser citada como critério técnico em contenciosos administrativos e judiciais. Para os contribuintes, isso denota a possibilidade de responder exigências fiscais que, até então, vinham se apoiando só no protocolo do lançamento contábil, sem relação com a realidade jurídica do fato gerador.

Ademais, o precedente reitera uma questão estrutural do sistema: a impossibilidade de que eventos que não geram riquezas novas sejam utilizados como base de incidência de tributos sobre renda ou faturamento. Em um círculo tributário constantemente envolvido por interpretações fiscalistas, esse entendimento recobra a relevância do conceito jurídico-material na execução das normas de incidência, particularmente em quadros em que o ingresso patrimonial deriva de sinistros e não de operações econômicas voluntárias.

A decisão opera como uma trava à ampliação com que a Receita Federal do Brasil vinha tratando valores resultantes de seguros. Ao diferenciar, com suporte jurídico, a recomposição patrimonial da geração de riqueza, o Superior Tribunal de Justiça determina uma limitação à ambição de amplificar a base de cálculo de tributos sobre a renda e a receita, ao mesmo tempo em que fortifica a exigência de que as incidências se mantenham ligadas aos critérios constitucionais e legais que as validam.

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