Gustavo Pires Maia da Silva
Advogado Sócio de Homero Costa
Advogados
A
Segunda Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em decisão
unânime, definiu no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº
2.140.074/SP, que não incidem IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre valores recebidos
a título de indenização securitária por sinistros com veículos do ativo
imobilizado de locadora de automóveis. Na ocasião, compreendeu a Corte, que
esses valores possuem natureza de recomposição patrimonial, e não de acréscimo
patrimonial ou receita, removendo-os da regra matriz de incidência dos tributos
mencionados. Ainda que contabilmente lançados como receita, essas quantias não
caracterizam renda tributável de acordo com o Artigo 43 do Código Tributário
Nacional (“CTN”), nem se delimitam como faturamento ou receita bruta, devendo,
por esta razão, ser excluídos da base de cálculo dos tributos federais em
referência.
A
tese firmada pela Segunda Turma afeta, de maneira instantânea, a empresas
locadoras de veículos que trabalham com frotas próprias e contratam seguros
para cobertura de danos aos bens do ativo imobilizado. Ao rechaçar a incidência
de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre os valores recebidos a título de indenização
securitária, o Tribunal Superior limita com mais exatidão o que pode e o que
não pode ser encarado como receita tributável no ambiente de operações
patrimoniais não negociais. Essa diretriz inclina-se a refletir particularmente
sobre estruturas empresariais que fazem da proteção securitária uma frente
importante de abrandamento de ameaças operacionais, como nos casos das holdings
patrimoniais, das concessionárias de frota e das companhias com grande evidenciação
física ao sinistro de bens duráveis.
Igualmente
importa a outros campos empresariais nos quais os ativos são protegidos por
seguros de danos e que, perante perdas materiais, obtêm valores indenizatórios
avantajados. Alguns segmentos corporativos, como indústrias, empresas de
transporte e armazenagem, shoppings e empreendimentos imobiliários, a título de
exemplo, têm na decisão um precedente que auxilia a afugentar autuações fiscais
apoiadas exclusivamente nos registros contábeis. O predomínio do critério
jurídico-tributário sobre a categorização contábil outorga maior segurança
jurídica à administração de passivos fiscais decorrentes de sinistros,
singularmente quando as importâncias em questão afetam rigorosamente a
demonstração de resultados das empresas.
A
discussão acerca da tributação de indenizações securitárias em casos de
sinistro envolvendo bens do ativo imobilizado não é recente, mas voltou a
ganhar popularidade frente as autuações fiscais que adotam como parâmetro a
classificação contábil dos valores recebidos. Comumente, empresas que padecem
de perdas materiais, como veículos destruídos ou equipamentos sinistrados,
obtêm da seguradora quantias compensatórias para restaurar o dano. Na
perspectiva contábil, essas entradas costumam ser anotadas como receita, o que,
simplesmente, tem sido razoável para a Receita Federal do Brasil qualifica-los
como fatos geradores de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
A
polêmica se expandiu à proporção que as fiscalizações passaram a desprezar a
natureza jurídica desses valores, sustentando-os como se representassem
acréscimos patrimoniais líquidos ou faturamento. Essa dialética tributária,
amparada unicamente na técnica contábil, não leva em consideração que a
indenização securitária, por definição, não incrementa o patrimônio do
segurado, mas tão somente o ressarce ao estado anterior ao sinistro. A
separação entre a representação contábil e o conceito jurídico-tributário
tornou-se, assim, um dos principais pontos de objeção nos âmbitos
administrativo e judicial.
Sob
o ângulo normativo, o CTN, no seu Artigo 43, impõe, para a incidência do
imposto de renda, a existência de disponibilidade econômica ou jurídica de
renda ou proventos de qualquer natureza. Na hipótese da CSLL, que segue os
parâmetros do IRPJ, o pensamento é equivalente. Já para as contribuições ao PIS
e à COFINS, o ordenamento jurídico obriga que o fato gerador esteja vinculado a
receita bruta ou faturamento, regras que presumem o comportamento de uma
atividade econômica remunerada. A inexistência desses componentes no
recebimento da indenização securitária é o que justifica o segregamento dessas
quantias da base de cálculo dos tributos citados.
Defronte
desse embaraço teórico, o Colendo Superior Tribunal de Justiça foi chamado a
examinar se a maneira como tais importâncias são lançadas pela contabilidade
deve predominar sobre os critérios jurídicos que norteiam a incidência
tributária.
Ao
encarar o conflito, a Segunda Turma saiu da diferenciação elementar entre a
classificação jurídica de renda e o registro contábil de receitas. O exame se
organizou sobre o pensamento de que a indenização securitária recebida em razão
de sinistros sobre bens do ativo imobilizado não caracteriza manifestação de
riqueza nova, mas compensação por uma perda patrimonial precedentemente
consumada. Com amparo nesse ponto de vista, o Tribunal ratificou que o método
de disponibilidade econômica ou jurídica — posto pelo Artigo 43 do Código
Tributário Nacional para definição da renda tributável — não se constata em
circunstâncias de reorganização patrimonial.
A
Corte também destacou a hegemonia da dialética tributária sobre a classificação
contábil quando se trata de balizar os elementos da central de incidência.
Mesmo na eventualidade de que a entrada esteja nos demonstrativos financeiros
como receita, esse dimensionamento técnico não pode, por si só, validar a
incidência de tributos cuja hipótese de incidência reclama, materialmente, a
presença de acréscimo patrimonial no caso do IRPJ e da CSLL ou de receita
proveniente do exercício da atividade econômica como previsto para o PIS e a
COFINS. A atribuição educadora da contabilidade é importante, mas não altera o
conteúdo normativo da legislação tributária.
Nessa
conjuntura, o STJ salientou que a indenização securitária, principalmente nos
contratos de seguro de dano, tem como objetivo restaurar perdas materiais,
configurando-se como verba indenizatória de um dano emergente, e não como
consequência positiva de uma atividade lucrativa. Afugentou, assim, qualquer
tentativa de enquadrar esses valores no conceito de receita bruta ou
faturamento, porque não significam operação mercantil nem importam em
contraprestação econômica por bens ou serviços fornecidos ao mercado.
A
decisão, ao empregar a regra mãe a partir da substância jurídica das
importâncias recebidas, comprova a independência conceitual do direito
tributário e define o alcance de interpretações fiscais embasadas somente em
classificações formais ou em expedientes administrativos de cobrança.
A
direção estipulada pela Segunda Turma robustece um posicionamento que se
inclina a ecoar sem desvios sobre a forma como a Receita Federal do Brasil
percebe os efeitos fiscais de indenizações securitárias em conjunturas.
Companhias com patrimônio ativo considerável, passam a contar com um precedente
que demarca de forma nítida a natureza jurídica desses ingressos, enxotando a
incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre verbas que objetivem tão somente
à recomposição de perdas.
Mesmo
que não se trate de hipótese de julgamento de recurso repetitivo, a decisão
propõe efeitos interpretativos sobre autuações fiscais amparadas estritamente
na qualificação contábil dessas quantias como receitas. Ao admitir que a
categorização contábil não tem preferência na definição da regra matriz de
incidência, o Tribunal tonifica uma conduta que pode ser citada como critério
técnico em contenciosos administrativos e judiciais. Para os contribuintes,
isso denota a possibilidade de responder exigências fiscais que, até então,
vinham se apoiando só no protocolo do lançamento contábil, sem relação com a
realidade jurídica do fato gerador.
Ademais,
o precedente reitera uma questão estrutural do sistema: a impossibilidade de
que eventos que não geram riquezas novas sejam utilizados como base de
incidência de tributos sobre renda ou faturamento. Em um círculo tributário
constantemente envolvido por interpretações fiscalistas, esse entendimento
recobra a relevância do conceito jurídico-material na execução das normas de
incidência, particularmente em quadros em que o ingresso patrimonial deriva de
sinistros e não de operações econômicas voluntárias.
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