Stanley
Martins Frasão
Advogado Sócio de Homero Costa
Advogados
A
Proposição 49.0000.2024.005075-5/COP, que tem por origem o Instituto dos
Advogados do Brasil – IAB (Ofício n. PR/COM/50/2024), em trâmite no Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sob a Relatoria do Conselheiro
Federal Francisco Mauricio Rabelo de Albuquerque Silva (PE), de modificar o
Provimento 112/2006 do Conselho Federal da OAB, ao arrepio da Lei 8.906/1994,
a fim de permitir que advogados possam se organizar sob a forma de
cooperativas, representa um grave equívoco jurídico, ético e institucional, com
potencial de comprometer as bases que sustentam a Advocacia como função
essencial à justiça.
1. A
NATUREZA PERSONALÍSSIMA E A ÉTICA DA ADVOCACIA
A
Advocacia é atividade de caráter personalíssimo e vocacionada à defesa dos
direitos fundamentais dos cidadãos, com previsão constitucional no art. 133 da
Constituição Federal. Ao permitir a formação de cooperativas, transfere-se o
foco da responsabilidade individual para uma estrutura em que o vínculo
cooperado-cooperativa pode diluir o comprometimento ético pessoal do advogado
com o cliente. A relação de confiança — que é o pilar da Advocacia — não pode
ser fragmentada ou flexibilizada por um modelo jurídico criado para fins
essencialmente econômicos e produtivos, como é o caso das cooperativas.
2.
INCOMPATIBILIDADE ESTRUTURAL ENTRE ADVOCACIA E COOPERATIVISMO
As
duas espécies de sociedades de advogados, conforme disciplinado pelo Estatuto
da Advocacia (Lei 8.906/94) e pelos Provimento 112/2006 e Provimento 170/2016,
são formadas por profissionais que prestam serviços em nome próprio ou em
conjunto, mas sempre com responsabilidade direta e solidária pelas
consequências éticas e jurídicas de seus atos:
- Sociedade de Advogados:
Constituída exclusivamente por advogados, com regras rígidas para
responsabilidade societária, ingresso e retirada de sócios, além da
proibição de capital externo e sócios de indústria (Provimento 112/2006).
- Sociedade Unipessoal de Advocacia:
Modelo que permite ao advogado atuar como titular de sua própria
sociedade, com benefícios tributários e maior formalização (Provimento 170/2016).
O
Presidente da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados, Carlos Augusto
Monteiro Nascimento, em reunião realizada, em 4 de agosto de 2025, no CESA
Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, durante sua exposição no Comitê
de Ética e Disciplina – CADEP, informou que há 183.836 espécies de sociedades
de advogados registradas no Brasil, sendo 75.789 (41,23%) plúrimas e 108.039
(58,77%) unipessoais.
O
Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, prescreve:
Art.
37. Os advogados podem constituir sociedade simples, unipessoal ou
pluripessoal, de prestação de serviços de advocacia, a qual deve ser
regularmente registrada no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial
tiver sede.
Art.
43. “O registro da sociedade de advogados observa os requisitos e procedimentos
previstos em Provimento do Conselho Federal.”
A
Lei 8.906/1994 prescreve:
Art.
34. “Constitui infração disciplinar:
II - manter sociedade profissional fora das normas e
preceitos estabelecidos nesta lei;”
A
mudança do Provimento, como pretendida, viola a Lei 8.906/1994.
Mas
tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2424/2023, que tem por ementa:
“Acrescenta dispositivo à Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe
sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para
criar a sociedade cooperativa de advogados.” (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2360887).
O
movimento para se permitir criar sociedade cooperativa de advogados está
em duas frentes, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e no
Congresso Nacional.
As
cooperativas, nos termos da Lei nº 5.764/71, são sociedades de pessoas com
forma e natureza jurídica próprias, organizadas para prestar serviços aos seus
associados. O modelo cooperativista tem por finalidade a união de esforços para
obtenção de vantagens econômicas, com divisão de resultados — conceitos
incompatíveis com a forma como o serviço advocatício deve ser exercido.
A
lógica cooperativista, orientada por objetivos econômicos e produtivos, tende a
transformar a Advocacia em atividade mercantil, o que é expressamente vedado
pelo art. 16 da Lei 8.906/1994. A Advocacia não é e não deve ser tratada como
serviço comum de mercado.
3.
RISCOS À FISCALIZAÇÃO E À RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
O
modelo de sociedades de advogados permite à OAB um controle mais rigoroso sobre
a atuação profissional, a composição societária e o cumprimento dos deveres
éticos. Ao se autorizar a constituição de cooperativas, abre-se margem para uma
pulverização da responsabilidade, tornando mais difícil a fiscalização da
atividade, a apuração de infrações e o cumprimento dos preceitos do Estatuto da
Advocacia.
Além
disso, o modelo cooperativo permitiria a entrada disfarçada de interesses
alheios à Advocacia, por meio de estruturas complexas de gestão ou
financiamento que escapem ao controle da Ordem, ferindo o princípio da
intransigente defesa da independência profissional do advogado.
4.
DESVIRTUAMENTO DO PAPEL SOCIAL DA OAB
A
OAB, ao longo de sua história, tem defendido com firmeza que a Advocacia não
pode ser confundida com qualquer outra atividade econômica. A permissão para
constituição de cooperativas entre advogados representaria uma inflexão
perigosa desse posicionamento institucional, colocando em risco a identidade
profissional da classe e contribuindo para a precarização da profissão —
especialmente diante do risco de que as cooperativas funcionem como
“escritórios de fachada”, promovendo uma intermediação de mão de obra
incompatível com a dignidade da Advocacia.
CONCLUSÃO
Modificar
o Provimento 112/2006, além de ferir a Lei 8.906/1994, para permitir
cooperativas de advogados é caminhar em sentido contrário à preservação da
ética, da responsabilidade individual e da independência da Advocacia. É
transformar o exercício profissional em atividade empresarial comum, abrindo
brechas perigosas à mercantilização da profissão. O modelo atual de sociedades
de advogados, embora possa ser aprimorado, preserva a essência da profissão e
deve ser mantido como o único admissível sob a legislação da OAB.
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