segunda-feira, 1 de setembro de 2025

DEFESA DA MANUTENÇÃO DO MODELO SOCIETÁRIO EXCLUSIVO NA ADVOCACIA: UM ALERTA CONTRA A EXTENSÃO ÀS COOPERATIVAS


 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

A Proposição 49.0000.2024.005075-5/COP, que tem por origem o Instituto dos Advogados do Brasil – IAB (Ofício n. PR/COM/50/2024), em trâmite no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sob a Relatoria do Conselheiro Federal Francisco Mauricio Rabelo de Albuquerque Silva (PE), de modificar o Provimento 112/2006 do Conselho Federal da OAB, ao arrepio da Lei 8.906/1994, a fim de permitir que advogados possam se organizar sob a forma de cooperativas, representa um grave equívoco jurídico, ético e institucional, com potencial de comprometer as bases que sustentam a Advocacia como função essencial à justiça.

1. A NATUREZA PERSONALÍSSIMA E A ÉTICA DA ADVOCACIA

A Advocacia é atividade de caráter personalíssimo e vocacionada à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, com previsão constitucional no art. 133 da Constituição Federal. Ao permitir a formação de cooperativas, transfere-se o foco da responsabilidade individual para uma estrutura em que o vínculo cooperado-cooperativa pode diluir o comprometimento ético pessoal do advogado com o cliente. A relação de confiança — que é o pilar da Advocacia — não pode ser fragmentada ou flexibilizada por um modelo jurídico criado para fins essencialmente econômicos e produtivos, como é o caso das cooperativas.

2. INCOMPATIBILIDADE ESTRUTURAL ENTRE ADVOCACIA E COOPERATIVISMO

As duas espécies de sociedades de advogados, conforme disciplinado pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) e pelos Provimento 112/2006 e Provimento 170/2016, são formadas por profissionais que prestam serviços em nome próprio ou em conjunto, mas sempre com responsabilidade direta e solidária pelas consequências éticas e jurídicas de seus atos:

  • Sociedade de Advogados: Constituída exclusivamente por advogados, com regras rígidas para responsabilidade societária, ingresso e retirada de sócios, além da proibição de capital externo e sócios de indústria (Provimento 112/2006).
  • Sociedade Unipessoal de Advocacia: Modelo que permite ao advogado atuar como titular de sua própria sociedade, com benefícios tributários e maior formalização (Provimento 170/2016).

O Presidente da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados, Carlos Augusto Monteiro Nascimento, em reunião realizada, em 4 de agosto de 2025, no CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, durante sua exposição no Comitê de Ética e Disciplina – CADEP, informou que há 183.836 espécies de sociedades de advogados registradas no Brasil, sendo 75.789 (41,23%) plúrimas e 108.039 (58,77%) unipessoais.

O Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, prescreve:

Art. 37. Os advogados podem constituir sociedade simples, unipessoal ou pluripessoal, de prestação de serviços de advocacia, a qual deve ser regularmente registrada no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.

Art. 43. “O registro da sociedade de advogados observa os requisitos e procedimentos previstos em Provimento do Conselho Federal.”

A Lei 8.906/1994 prescreve:

Art. 34. “Constitui infração disciplinar:

II - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos nesta lei;”

A mudança do Provimento, como pretendida, viola a Lei 8.906/1994.

Mas tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2424/2023, que tem por ementa: “Acrescenta dispositivo à Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para criar a sociedade cooperativa de advogados.” (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2360887).

O movimento para se permitir criar sociedade cooperativa de advogados está em duas frentes, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e no Congresso Nacional.

As cooperativas, nos termos da Lei nº 5.764/71, são sociedades de pessoas com forma e natureza jurídica próprias, organizadas para prestar serviços aos seus associados. O modelo cooperativista tem por finalidade a união de esforços para obtenção de vantagens econômicas, com divisão de resultados — conceitos incompatíveis com a forma como o serviço advocatício deve ser exercido.

A lógica cooperativista, orientada por objetivos econômicos e produtivos, tende a transformar a Advocacia em atividade mercantil, o que é expressamente vedado pelo art. 16 da Lei 8.906/1994. A Advocacia não é e não deve ser tratada como serviço comum de mercado.

3. RISCOS À FISCALIZAÇÃO E À RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

O modelo de sociedades de advogados permite à OAB um controle mais rigoroso sobre a atuação profissional, a composição societária e o cumprimento dos deveres éticos. Ao se autorizar a constituição de cooperativas, abre-se margem para uma pulverização da responsabilidade, tornando mais difícil a fiscalização da atividade, a apuração de infrações e o cumprimento dos preceitos do Estatuto da Advocacia.

Além disso, o modelo cooperativo permitiria a entrada disfarçada de interesses alheios à Advocacia, por meio de estruturas complexas de gestão ou financiamento que escapem ao controle da Ordem, ferindo o princípio da intransigente defesa da independência profissional do advogado.

4. DESVIRTUAMENTO DO PAPEL SOCIAL DA OAB

A OAB, ao longo de sua história, tem defendido com firmeza que a Advocacia não pode ser confundida com qualquer outra atividade econômica. A permissão para constituição de cooperativas entre advogados representaria uma inflexão perigosa desse posicionamento institucional, colocando em risco a identidade profissional da classe e contribuindo para a precarização da profissão — especialmente diante do risco de que as cooperativas funcionem como “escritórios de fachada”, promovendo uma intermediação de mão de obra incompatível com a dignidade da Advocacia.

CONCLUSÃO

Modificar o Provimento 112/2006, além de ferir a Lei 8.906/1994, para permitir cooperativas de advogados é caminhar em sentido contrário à preservação da ética, da responsabilidade individual e da independência da Advocacia. É transformar o exercício profissional em atividade empresarial comum, abrindo brechas perigosas à mercantilização da profissão. O modelo atual de sociedades de advogados, embora possa ser aprimorado, preserva a essência da profissão e deve ser mantido como o único admissível sob a legislação da OAB.

Com a palavra, o Conselho Federal da OAB.

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