segunda-feira, 1 de setembro de 2025

DEFESA DA MANUTENÇÃO DO MODELO SOCIETÁRIO EXCLUSIVO NA ADVOCACIA: UM ALERTA CONTRA A EXTENSÃO ÀS COOPERATIVAS


 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

A Proposição 49.0000.2024.005075-5/COP, que tem por origem o Instituto dos Advogados do Brasil – IAB (Ofício n. PR/COM/50/2024), em trâmite no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sob a Relatoria do Conselheiro Federal Francisco Mauricio Rabelo de Albuquerque Silva (PE), de modificar o Provimento 112/2006 do Conselho Federal da OAB, ao arrepio da Lei 8.906/1994, a fim de permitir que advogados possam se organizar sob a forma de cooperativas, representa um grave equívoco jurídico, ético e institucional, com potencial de comprometer as bases que sustentam a Advocacia como função essencial à justiça.

1. A NATUREZA PERSONALÍSSIMA E A ÉTICA DA ADVOCACIA

A Advocacia é atividade de caráter personalíssimo e vocacionada à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, com previsão constitucional no art. 133 da Constituição Federal. Ao permitir a formação de cooperativas, transfere-se o foco da responsabilidade individual para uma estrutura em que o vínculo cooperado-cooperativa pode diluir o comprometimento ético pessoal do advogado com o cliente. A relação de confiança — que é o pilar da Advocacia — não pode ser fragmentada ou flexibilizada por um modelo jurídico criado para fins essencialmente econômicos e produtivos, como é o caso das cooperativas.

2. INCOMPATIBILIDADE ESTRUTURAL ENTRE ADVOCACIA E COOPERATIVISMO

As duas espécies de sociedades de advogados, conforme disciplinado pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) e pelos Provimento 112/2006 e Provimento 170/2016, são formadas por profissionais que prestam serviços em nome próprio ou em conjunto, mas sempre com responsabilidade direta e solidária pelas consequências éticas e jurídicas de seus atos:

  • Sociedade de Advogados: Constituída exclusivamente por advogados, com regras rígidas para responsabilidade societária, ingresso e retirada de sócios, além da proibição de capital externo e sócios de indústria (Provimento 112/2006).
  • Sociedade Unipessoal de Advocacia: Modelo que permite ao advogado atuar como titular de sua própria sociedade, com benefícios tributários e maior formalização (Provimento 170/2016).

O Presidente da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados, Carlos Augusto Monteiro Nascimento, em reunião realizada, em 4 de agosto de 2025, no CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, durante sua exposição no Comitê de Ética e Disciplina – CADEP, informou que há 183.836 espécies de sociedades de advogados registradas no Brasil, sendo 75.789 (41,23%) plúrimas e 108.039 (58,77%) unipessoais.

O Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, prescreve:

Art. 37. Os advogados podem constituir sociedade simples, unipessoal ou pluripessoal, de prestação de serviços de advocacia, a qual deve ser regularmente registrada no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.

Art. 43. “O registro da sociedade de advogados observa os requisitos e procedimentos previstos em Provimento do Conselho Federal.”

A Lei 8.906/1994 prescreve:

Art. 34. “Constitui infração disciplinar:

II - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos nesta lei;”

A mudança do Provimento, como pretendida, viola a Lei 8.906/1994.

Mas tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2424/2023, que tem por ementa: “Acrescenta dispositivo à Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para criar a sociedade cooperativa de advogados.” (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2360887).

O movimento para se permitir criar sociedade cooperativa de advogados está em duas frentes, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e no Congresso Nacional.

As cooperativas, nos termos da Lei nº 5.764/71, são sociedades de pessoas com forma e natureza jurídica próprias, organizadas para prestar serviços aos seus associados. O modelo cooperativista tem por finalidade a união de esforços para obtenção de vantagens econômicas, com divisão de resultados — conceitos incompatíveis com a forma como o serviço advocatício deve ser exercido.

A lógica cooperativista, orientada por objetivos econômicos e produtivos, tende a transformar a Advocacia em atividade mercantil, o que é expressamente vedado pelo art. 16 da Lei 8.906/1994. A Advocacia não é e não deve ser tratada como serviço comum de mercado.

3. RISCOS À FISCALIZAÇÃO E À RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

O modelo de sociedades de advogados permite à OAB um controle mais rigoroso sobre a atuação profissional, a composição societária e o cumprimento dos deveres éticos. Ao se autorizar a constituição de cooperativas, abre-se margem para uma pulverização da responsabilidade, tornando mais difícil a fiscalização da atividade, a apuração de infrações e o cumprimento dos preceitos do Estatuto da Advocacia.

Além disso, o modelo cooperativo permitiria a entrada disfarçada de interesses alheios à Advocacia, por meio de estruturas complexas de gestão ou financiamento que escapem ao controle da Ordem, ferindo o princípio da intransigente defesa da independência profissional do advogado.

4. DESVIRTUAMENTO DO PAPEL SOCIAL DA OAB

A OAB, ao longo de sua história, tem defendido com firmeza que a Advocacia não pode ser confundida com qualquer outra atividade econômica. A permissão para constituição de cooperativas entre advogados representaria uma inflexão perigosa desse posicionamento institucional, colocando em risco a identidade profissional da classe e contribuindo para a precarização da profissão — especialmente diante do risco de que as cooperativas funcionem como “escritórios de fachada”, promovendo uma intermediação de mão de obra incompatível com a dignidade da Advocacia.

CONCLUSÃO

Modificar o Provimento 112/2006, além de ferir a Lei 8.906/1994, para permitir cooperativas de advogados é caminhar em sentido contrário à preservação da ética, da responsabilidade individual e da independência da Advocacia. É transformar o exercício profissional em atividade empresarial comum, abrindo brechas perigosas à mercantilização da profissão. O modelo atual de sociedades de advogados, embora possa ser aprimorado, preserva a essência da profissão e deve ser mantido como o único admissível sob a legislação da OAB.

Com a palavra, o Conselho Federal da OAB.

O AFASTAMENTO DE TRIBUTOS SOBRE A INDENIZAÇÃO POR SINISTRO DE BENS DO ATIVO IMOBILIZADO


 Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

A Segunda Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em decisão unânime, definiu no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 2.140.074/SP, que não incidem IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre valores recebidos a título de indenização securitária por sinistros com veículos do ativo imobilizado de locadora de automóveis. Na ocasião, compreendeu a Corte, que esses valores possuem natureza de recomposição patrimonial, e não de acréscimo patrimonial ou receita, removendo-os da regra matriz de incidência dos tributos mencionados. Ainda que contabilmente lançados como receita, essas quantias não caracterizam renda tributável de acordo com o Artigo 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”), nem se delimitam como faturamento ou receita bruta, devendo, por esta razão, ser excluídos da base de cálculo dos tributos federais em referência.

A tese firmada pela Segunda Turma afeta, de maneira instantânea, a empresas locadoras de veículos que trabalham com frotas próprias e contratam seguros para cobertura de danos aos bens do ativo imobilizado. Ao rechaçar a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre os valores recebidos a título de indenização securitária, o Tribunal Superior limita com mais exatidão o que pode e o que não pode ser encarado como receita tributável no ambiente de operações patrimoniais não negociais. Essa diretriz inclina-se a refletir particularmente sobre estruturas empresariais que fazem da proteção securitária uma frente importante de abrandamento de ameaças operacionais, como nos casos das holdings patrimoniais, das concessionárias de frota e das companhias com grande evidenciação física ao sinistro de bens duráveis.

Igualmente importa a outros campos empresariais nos quais os ativos são protegidos por seguros de danos e que, perante perdas materiais, obtêm valores indenizatórios avantajados. Alguns segmentos corporativos, como indústrias, empresas de transporte e armazenagem, shoppings e empreendimentos imobiliários, a título de exemplo, têm na decisão um precedente que auxilia a afugentar autuações fiscais apoiadas exclusivamente nos registros contábeis. O predomínio do critério jurídico-tributário sobre a categorização contábil outorga maior segurança jurídica à administração de passivos fiscais decorrentes de sinistros, singularmente quando as importâncias em questão afetam rigorosamente a demonstração de resultados das empresas.

A discussão acerca da tributação de indenizações securitárias em casos de sinistro envolvendo bens do ativo imobilizado não é recente, mas voltou a ganhar popularidade frente as autuações fiscais que adotam como parâmetro a classificação contábil dos valores recebidos. Comumente, empresas que padecem de perdas materiais, como veículos destruídos ou equipamentos sinistrados, obtêm da seguradora quantias compensatórias para restaurar o dano. Na perspectiva contábil, essas entradas costumam ser anotadas como receita, o que, simplesmente, tem sido razoável para a Receita Federal do Brasil qualifica-los como fatos geradores de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

A polêmica se expandiu à proporção que as fiscalizações passaram a desprezar a natureza jurídica desses valores, sustentando-os como se representassem acréscimos patrimoniais líquidos ou faturamento. Essa dialética tributária, amparada unicamente na técnica contábil, não leva em consideração que a indenização securitária, por definição, não incrementa o patrimônio do segurado, mas tão somente o ressarce ao estado anterior ao sinistro. A separação entre a representação contábil e o conceito jurídico-tributário tornou-se, assim, um dos principais pontos de objeção nos âmbitos administrativo e judicial.

Sob o ângulo normativo, o CTN, no seu Artigo 43, impõe, para a incidência do imposto de renda, a existência de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. Na hipótese da CSLL, que segue os parâmetros do IRPJ, o pensamento é equivalente. Já para as contribuições ao PIS e à COFINS, o ordenamento jurídico obriga que o fato gerador esteja vinculado a receita bruta ou faturamento, regras que presumem o comportamento de uma atividade econômica remunerada. A inexistência desses componentes no recebimento da indenização securitária é o que justifica o segregamento dessas quantias da base de cálculo dos tributos citados.

Defronte desse embaraço teórico, o Colendo Superior Tribunal de Justiça foi chamado a examinar se a maneira como tais importâncias são lançadas pela contabilidade deve predominar sobre os critérios jurídicos que norteiam a incidência tributária.

Ao encarar o conflito, a Segunda Turma saiu da diferenciação elementar entre a classificação jurídica de renda e o registro contábil de receitas. O exame se organizou sobre o pensamento de que a indenização securitária recebida em razão de sinistros sobre bens do ativo imobilizado não caracteriza manifestação de riqueza nova, mas compensação por uma perda patrimonial precedentemente consumada. Com amparo nesse ponto de vista, o Tribunal ratificou que o método de disponibilidade econômica ou jurídica — posto pelo Artigo 43 do Código Tributário Nacional para definição da renda tributável — não se constata em circunstâncias de reorganização patrimonial.

A Corte também destacou a hegemonia da dialética tributária sobre a classificação contábil quando se trata de balizar os elementos da central de incidência. Mesmo na eventualidade de que a entrada esteja nos demonstrativos financeiros como receita, esse dimensionamento técnico não pode, por si só, validar a incidência de tributos cuja hipótese de incidência reclama, materialmente, a presença de acréscimo patrimonial no caso do IRPJ e da CSLL ou de receita proveniente do exercício da atividade econômica como previsto para o PIS e a COFINS. A atribuição educadora da contabilidade é importante, mas não altera o conteúdo normativo da legislação tributária.

Nessa conjuntura, o STJ salientou que a indenização securitária, principalmente nos contratos de seguro de dano, tem como objetivo restaurar perdas materiais, configurando-se como verba indenizatória de um dano emergente, e não como consequência positiva de uma atividade lucrativa. Afugentou, assim, qualquer tentativa de enquadrar esses valores no conceito de receita bruta ou faturamento, porque não significam operação mercantil nem importam em contraprestação econômica por bens ou serviços fornecidos ao mercado.

A decisão, ao empregar a regra mãe a partir da substância jurídica das importâncias recebidas, comprova a independência conceitual do direito tributário e define o alcance de interpretações fiscais embasadas somente em classificações formais ou em expedientes administrativos de cobrança.

A direção estipulada pela Segunda Turma robustece um posicionamento que se inclina a ecoar sem desvios sobre a forma como a Receita Federal do Brasil percebe os efeitos fiscais de indenizações securitárias em conjunturas. Companhias com patrimônio ativo considerável, passam a contar com um precedente que demarca de forma nítida a natureza jurídica desses ingressos, enxotando a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sobre verbas que objetivem tão somente à recomposição de perdas.

Mesmo que não se trate de hipótese de julgamento de recurso repetitivo, a decisão propõe efeitos interpretativos sobre autuações fiscais amparadas estritamente na qualificação contábil dessas quantias como receitas. Ao admitir que a categorização contábil não tem preferência na definição da regra matriz de incidência, o Tribunal tonifica uma conduta que pode ser citada como critério técnico em contenciosos administrativos e judiciais. Para os contribuintes, isso denota a possibilidade de responder exigências fiscais que, até então, vinham se apoiando só no protocolo do lançamento contábil, sem relação com a realidade jurídica do fato gerador.

Ademais, o precedente reitera uma questão estrutural do sistema: a impossibilidade de que eventos que não geram riquezas novas sejam utilizados como base de incidência de tributos sobre renda ou faturamento. Em um círculo tributário constantemente envolvido por interpretações fiscalistas, esse entendimento recobra a relevância do conceito jurídico-material na execução das normas de incidência, particularmente em quadros em que o ingresso patrimonial deriva de sinistros e não de operações econômicas voluntárias.

A decisão opera como uma trava à ampliação com que a Receita Federal do Brasil vinha tratando valores resultantes de seguros. Ao diferenciar, com suporte jurídico, a recomposição patrimonial da geração de riqueza, o Superior Tribunal de Justiça determina uma limitação à ambição de amplificar a base de cálculo de tributos sobre a renda e a receita, ao mesmo tempo em que fortifica a exigência de que as incidências se mantenham ligadas aos critérios constitucionais e legais que as validam.

PL 75/2025: FORTALECENDO A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES ATRAVÉS DA CRIMINALIZAÇÃO MAIS RIGOROSA

 

 Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

Introdução: O Problema da Subtração de Menores no Brasil

A subtração ilícita de crianças e adolescentes, seja para fins de adoção irregular, tráfico de pessoas ou outras violações, é um problema grave e persistente no Brasil. Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em 2023, mais de 2.300 casos de desaparecimento de crianças foram registrados no país, muitos dos quais associados diretamente a redes clandestinas de subtração parental ou adoção ilegal[^1]. A insuficiência de penalidades severas e falhas na fiscalização contribuem para a perpetuação desse cenário alarmante.

Contextualização e Proposta Legislativa

No dia 18 de agosto de 2025, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 75/2025, de autoria do deputado [Nome do Deputado, se disponível], sob relatoria de [Nome do Relator]. O projeto propõe tornar a subtração de menores um crime hediondo, endurecendo a punição e restringindo benefícios penais aos envolvidos.

Dados Estatísticos e Contexto Internacional

O tráfico de crianças e adolescentes é uma preocupação global. Estima-se que crianças e adolescentes representam cerca de 30% das vítimas de tráfico internacional. Países como os Estados Unidos e a Espanha já tipificam como crimes hediondos a subtração e tráfico de menores, adotando penas rigorosas e sistemas integrados de proteção, além de campanhas permanentes de prevenção.

No âmbito nacional, o artigo 227 da Constituição Federal assegura prioridade absoluta à proteção dos direitos da criança e do adolescente. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n.º 8.069/1990, prevê a proteção integral e mecanismos de responsabilização em casos de violação desses direitos.

Avanço Jurídico e Dialogando com o ECA e a Constituição Federal

O PL 75/2025 se alinha às determinações constitucionais e às diretrizes do ECA ao buscar punir de forma mais severa quem atenta contra direitos fundamentais de crianças e adolescentes. A transformação do ato de subtrair menores em crime hediondo reforça o mandato constitucional da prioridade absoluta, restringindo benefícios como progressão de regime e anistia para os condenados, em consonância com o artigo 5.º, XLIII, da Constituição Federal.

Desafios Práticos e Implicações

Apesar do avanço, desafios práticos se impõem: a investigação desses delitos requer capacitação e integração entre órgãos (conselhos tutelares, polícias, Ministério Público), além de políticas públicas que priorizem prevenção, denúncia e acolhimento das vítimas. A dificuldade de comprovar intenção e autoria, especialmente quando envolvem redes familiares ou internacionais, também exige respostas inovadoras e integração internacional, em consonância com tratados de cooperação.

Participação e Monitoramento pela Sociedade Civil

A sociedade civil tem papel crucial tanto na fiscalização quanto na formulação de políticas: audiências públicas, denúncias anônimas, participação em conselhos tutelares e acompanhamento de tramitação legislativa são espaços possíveis de engajamento. Organizações não governamentais, como a Fundação Abrinq (https://www.fadc.org.br/) e a Childhood Brasil (https://www.childhood.org.br/), também oferecem canais de informação e participação.

Para acompanhar a tramitação do PL 75/2025 e participar do debate, qualquer cidadão pode acessar o www.camara.leg.br e enviar opiniões, participar de consultas públicas e solicitar posicionamentos de parlamentares.

Prevenção e Políticas Públicas Integradas

Mais do que endurecer penas, políticas de prevenção e acolhimento devem ser fortalecidas: campanhas educativas sobre desaparecimento, canais de denúncia mais acessíveis, fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos e apoio psicossocial às famílias são essenciais. Integração intersetorial (assistência social, saúde, educação e segurança) torna-se chave para reduzir a exposição de crianças e adolescentes a riscos.

Conclusão

O PL 75/2025 representa um avanço importante no combate à subtração de crianças e adolescentes, ao endurecer o tratamento penal desses crimes. Entretanto, seu êxito dependerá da implementação conjunta de políticas integradas de prevenção, investimento na rede de proteção e do envolvimento contínuo da sociedade civil na fiscalização e proposição de melhorias.

Finalizo lembrando do lançamento do Movimento Violência Sexual Zero, no dia 23/03/2025, em São Paulo (https://www.migalhas.com.br/depeso/429329/movimento-violencia-sexual-zero).

INVESTIGAÇÃO DE CANDIDATOS – CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO – CONSEQUÊNCIAS

 

Orlando José de Almeida

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

                                  

 

No dia 13/08/2025 foi publicada notícia no site do Tribunal Superior do Trabalho - TST, referente ao julgamento proferido nos autos do processo nº TST-RR-1000456-58.2015.5.02.0443, cujo acórdão foi publicado no dia 25/08/2025.

A matéria foi intitulada: “Empresa é condenada porque investigava candidatos para admissão em emprego - TST”.

A empresa InterCement Brasil S.A., que atua principalmente na produção de cimento e seus derivados, realizava pesquisas de restrições de crédito e de antecedentes criminais dos candidatos a emprego.

O Ministério Público do Trabalho - MPT, ajuizou uma ação civil pública, requerendo que a empresa fosse (i) condenada por danos morais coletivos; (ii) multada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) mensais por candidato, caso permanecesse com as condutas indicadas.

Consta da notícia que a 3ª Vara do Trabalho de Santos julgou improcedentes os pleitos deduzidos na ação. A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Para o Regional não foi produzida “prova de que a prática tenha sido utilizada como instrumento discriminatório, uma vez que nenhum candidato foi preterido em favor de outro, com base no simples fato de possuir restrições cadastrais. A decisão aponta ainda que, mesmo admitida a existência de sindicância pregressa, o fato, por si só, não pode gerar condenação contra a empresa. O TRT ainda avaliou que a providência é realizada até mesmo pelos órgãos públicos para preenchimento de cargos, ‘da mais singela à mais elevada autoridade’.”

O MPT interpôs Recurso de Revista quando aduziu, especialmente, que “constitui verdadeiro abuso de direito por desvio de finalidade a consulta para fins de emprego, vez que os candidatos a emprego não são seus consumidores nem estão solicitando linha de crédito da empresa, na verdade sequer tendo conhecimento de que sua vida privada e seus hábitos de consumo estão sendo devassados por terceiros, configurando-se o ilícito que se pretende inibir através da tutela pretendida nesta ACP. O mesmo se diga da pesquisa dos antecedentes criminais, que não possuem qualquer correlação lógica com as atividades a serem desenvolvidas na prestação laboral. Na hipótese, o que se vê é uma invasão desmedida na esfera íntima, na honra e na vida privada dos candidatos a vagas de emprego da ré”.

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho - TST, por unanimidade, deu provimento ao Recurso, por entender que é ilícita a conduta da ré, motivo pelo qual impôs “obrigação de se abster de realizar, diretamente ou por terceiros, pesquisa de restrições de crédito e/ou de antecedentes criminais, bem como de discriminar os candidatos a emprego em decorrência de tais informações, salvo se houver expressa autorização legal para realização das pesquisas ou, ainda, no caso da consulta a antecedentes criminais, se houver justificativa vinculada à natureza do ofício ou ao grau especial de fidúcia exigido para a função”, sob pena de multa “no valor mensal de R$20.000,00 (vinte mil reais), por candidato, reversível ao FAT” e a condenou em indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), também a ser revertido ao FAT.

A base da fundamentação do julgado está assentada, notadamente, nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da isonomia e da não discriminação, com destaque, ainda, para o disposto no artigo, 5º, X, da Constituição Federal, ao estabelecer:

São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

Com relação à consulta dos antecedentes criminais, deve ser destacado que no julgamento do Incidente de Recursos de Revista Repetitivos - Tema n° 1, ficou assentado:

“1. Não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. 2. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas. 3. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido."

A matéria no âmbito do TST, portanto, encontra-se pacificada, sendo permitida a consulta dos antecedentes criminais de um candidato a emprego nas hipóteses fixadas no Tema 1, que é um precedente vinculante e, por isso, deve ser seguido por todas as instâncias da Justiça do Trabalho.

No que diz respeito à consulta aos cadastros de restrições de crédito, a Primeira Turma seguiu a direção que vem sendo adotada na Corte, que pode ser assim resumida: “Não havendo demonstração da imprescindibilidade de acesso a tais informações pelo empregador, à míngua de pertinência com as atividades profissionais referentes ao posto de trabalho a ser ocupado, deve prevalecer o direito à intimidade do trabalhador, com vistas a resguardar sua privacidade e a coibir eventual discriminação decorrente da sua situação financeira.”

E para justificar o posicionamento foram transcritas as seguintes ementas:

"RECURSO DE REVISTA REGIDO PELO CPC/1973 E INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. PROCESSO SELETIVO. PESQUISA PRÉVIA DE INFORMAÇÕES CREDITÍCIAS DOS CANDIDATOS AO EMPREGO. SPC. SERASA. DANO MORAL COLETIVO. A Corte regional, referindo-se à "realização de consulta prévia aos cadastros do SPC e SERASA", entendeu que, "não obstante tal fato seja considerado para a contratação dos candidatos, não se colocava como fator de eliminação sumária". Entretanto, reconheceu que "a empresa contratante não se obriga a ser surpreendida por eventuais ilícitos praticados por seus candidatos". Concluiu o Tribunal a quo que "não há justificativa razoável para condenar a reclamada pela consulta aos cadastros de órgãos oficiais criados justamente para este fim", conduta que "não caracteriza pratica discriminatória, mas mero direito do empregador na busca de antecedentes de seus pretensos colaboradores". Verifica-se, portanto, a existência de conduta discriminatória por parte da reclamada, pois a situação creditícia do candidato não possui nenhuma relação com as suas qualidades ou habilidade laborais. Importante registrar que é justamente no momento da procura de colocação no mercado de trabalho que o candidato, por muitas vezes, encontra-se em situação econômica fragilizada, sem meios de subsistência e de cumprir algumas obrigações financeiras anteriormente assumidas. Por outro lado, a Corte regional, ao apontar que "se não há reprimenda à própria existência dos serviços de proteção ao crédito, descabida a assertiva da não legalidade de seu uso", baseou-se em uma premissa equivocada. Os citados serviços tem por finalidade a proteção dos comerciantes, instituições financeiras e creditícias, entre outros, para o fornecimento de crédito para pessoas com histórico de não honrar com suas obrigações, independentemente do motivo que as levou a tanto, não se destinando à consulta prévia de candidato ao emprego - conduta claramente discriminatória e reprovável. Para a configuração do dano moral coletivo, basta, como no caso dos autos, a violação intolerável de direitos coletivos e difusos, ação ou omissão reprováveis pelo sistema de justiça social do ordenamento jurídico, conduta antijurídica capaz de lesar a esfera de interesses da coletividade, cuja essência é tipicamente extrapatrimonial . O caráter coletivo decorre da repercussão no meio social, pela adoção reiterada de um padrão de conduta por parte do infrator, com inegável extensão lesiva à coletividade, de forma a violar o sistema jurídico de garantias fundamentais. É por isso que o dano moral coletivo, em face de suas características próprias de dano genérico, enseja muito mais uma condenação preventiva e inibitória do que propriamente uma tutela ressarcitória. Cabe trazer a lume a lição de Xisto Tiago de Medeiros Neto sobre a preponderância da função sancionatória da indenização por dano moral coletivo, alertando que esta se afasta da função típica que prevalece no âmbito dos direitos individuais, onde se confere maior relevância à finalidade compensatória da indenização em favor das vítimas identificadas, e, apenas em segundo plano, visualiza-se a função suasória. Ainda, diante da incontrovérsia dos fatos relativos à conduta ilícita da reclamada, o dano moral daí decorrente é considerado in re ipsa , já que decorre da própria natureza das coisas, prescindindo, assim, de prova da sua ocorrência concreta, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos, bastando a demonstração do ato ilícito ou antijurídico em função do qual a parte afirma ter ocorrido a ofensa ao patrimônio moral. Aplica-se à hipótese sub judice a tese firmada no IRR-243000-58.2013.5.13.0023, item III, in verbis: "A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas de que trata o item II, supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido". Desse modo, a consulta prévia dos candidatos aos cadastros do SPC e SERASA acarretou dano moral coletivo in re ipsa, o que é suficiente para a responsabilização da ré, sendo desnecessária para sua condenação, prova de prejuízo sofrido pela coletividade de trabalhadores (inocorrência da contratação de candidatos submetidos à consulta). A prática dos citados atos antijurídicos e discriminatórios configurou ofensa ao patrimônio moral coletivo, sendo, portanto, passível de reparação por meio da indenização respectiva. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1170-75.2010.5.02.0066, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 13/11/2020).

"(...) C) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER: ABSTER-SE DA EXIGÊNCIA DE CONSULTA A INFORMAÇÕES CREDITÍCIAS DOS CANDIDATOS AO EMPREGO E DOS EMPREGADOS. SPC. SERASA. PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. VALOR ARBITRADO. CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NÃO PRESERVADOS. A Constituição da República consagra o princípio do amplo acesso a informações (art. 5º, XIV: " é assegurado a todos o acesso à informação...", CF), especialmente em se tratando de informações oficiais, prolatadas pelo Poder Público (art. 5º, XXXIII, e art. 5º, XXXIV, "b", CF). Por outro lado, também consagra a Constituição o princípio da proteção à privacidade (art 5º, X, da CF) e o princípio da não discriminação (art. 3º, I e IV; art. 5º, caput ; art. 7º, XXX, CF). Nessa contraposição de princípios constitucionais, a jurisprudência tem conferido efetividade ao princípio do amplo acesso a informações públicas oficiais nos casos em que sejam essenciais, imprescindíveis semelhantes informações para o regular e seguro exercício da atividade profissional, tal como ocorre com o trabalho de vigilância armada - regulado pela Lei nº 7.102 de 1982, art. 16, VI - e o trabalho doméstico, regulado pela Lei nº 5.859/72 (art. 2º, II). Em tais casos delimitados, a ponderação de valores e princípios acentua o amplo acesso a informações, ao invés de seu contraponto principiológico também constitucional. Contudo, não se mostrando imprescindíveis e essenciais semelhantes informações, prevalecem os princípios constitucionais da proteção à privacidade e da não discriminação. Discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada. O princípio da não discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas. As proteções jurídicas contra discriminações na relação de emprego são distintas. A par das proteções que envolvem discriminações com direta e principal repercussão na temática salarial, há as proteções jurídicas contra discriminações em geral, que envolvem tipos diversos e variados de empregados ou tipos de situações contratuais. Embora grande parte desses casos acabem por ter, também, repercussões salariais, o que os distingue é a circunstância de serem discriminações de dimensão e face diversificadas, não se concentrando apenas (ou fundamentalmente) no aspecto salarial. Na hipótese, extrai-se do acórdão regional que a exigência de consulta a informações creditícias dos candidatos ao emprego e dos empregados era feita de forma indistinta e genérica, de modo que se conclui que a exigência era totalmente desvinculada da natureza da função a ser exercida, o que caracteriza prática discriminatória, a ensejar danos à esfera moral da coletividade de trabalhadores. Nesse contexto, forçoso concluir que a prática da Reclamada contrapõe-se aos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente aqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, III e IV, da CR/88) e à isonomia de tratamento (art. 5º, caput , da CR/88). É clara a conduta discriminatória da Reclamada, uma vez que "a situação creditícia do candidato não possui nenhuma relação com as suas qualidades ou habilidade laborais. Importante registrar que é justamente no momento da procura de colocação no mercado de trabalho que o candidato, por muitas vezes, encontra-se em situação econômica fragilizada, sem meios de subsistência e de cumprir algumas obrigações financeiras anteriormente assumidas" (RR-1170-75.2010.5.02.0066, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 13/11/2020). Nesse sentido, esta Corte Superior firmou o seguimento entendimento, por meio da SBDI-1, aplicável por analogia à presente hipótese: "INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO. TEMA Nº 0001. DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. CANDIDATO A EMPREGO 1. Não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. 2. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas. 3. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra , caracteriza dano moral in re ipsa , passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido" (IRR-RR-243000-58.2013.5.13.0023, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Redator Ministro João Oreste Dalazen, DEJT 22/09/2017). No caso dos autos, registra-se que não se trata de hipótese de pedido/exigência, pelo empregador, de apresentação de documentos que contenham informações sobre antecedentes criminais do candidato em entrevista de admissão no emprego, mas de ação civil pública que visa à abstenção, pela Ré, de utilização de banco de dados sobre informações creditícias de candidatos a emprego e empregados, quando não justificada em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia, prática vedada e que impõe o dever reparatório. Nesse sentido, não merece razão a insurgência patronal. (...) Recurso de revista conhecido e parcialmente provido" (RR-1000432-69.2014.5.02.0312, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 19/12/2022).

"RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. PESQUISA DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DE CANDIDATO A EMPREGO - SPC E SERASA. Na hipótese dos autos, extrai-se do acórdão recorrido que é incontroversa a prática pela Ré de pesquisa nos sistemas de proteção ao crédito quando do processo de seleção de candidato ao emprego. Ora, chega a ser absurdo imaginar que o cidadão pode não ser contratado por ter seu nome registrado no SPC ou SERASA. Tais serviços devem ser utilizados para proteger o crédito e não para inviabilizar o emprego. Se o candidato a uma vaga de emprego eventualmente tem dívidas com outras pessoas, esta não pode ser a razão para impedir que o trabalhador obtenha o emprego. E isto se justifica porque para um candidato nesta situação, a recolocação no mercado de trabalho tem justamente o objetivo de saldar as dívidas do trabalhador. Nesse esteio, qualquer restrição ao acesso de um candidato a uma vaga de emprego em razão de seu nome constar em uma das listas de empresas de proteção ao crédito, como SERASA e SPC, é ato discriminatório e deve ser coibido por esta Justiça Especializada. A conduta do empregador é inegavelmente discriminatória, pois visa a inibir a contratação de candidatos que figurem em listas cadastrais dos serviços de proteção ao crédito. A prática da conduta discriminatória em apreço importa ofensa a princípios de ordem constitucional, tais como o da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da isonomia e da não discriminação (arts. 1º, III e IV, 3º, IV, e 5º da Constituição da República). Deve ser ressaltado ainda o teor do artigo 1º, da Lei nº 9.029/95, que prevê a proibição de práticas discriminatórias nas relações de trabalho. Precedentes. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 1º da Lei nº 9.029/95 e provido" (RR-209-39.2011.5.05.0027, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 02/12/2016).

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI 13.015/2014. (...) ADMISSÃO DE EMPREGADOS. SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES EM BANCOS DE DADOS (SPC E SERASA). IMPOSIÇÃO DE ASSINAR DECLARAÇÃO INFORMANDO A INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÕES. DANO MORAL COLETIVO. IN RE IPSA. A Constituição Federal fixa "a dignidade da pessoa humana" como fundamento da República (art. 1º, inciso III), ao mesmo tempo proclamando a igualdade jurídica (art. 5º, caput) e dizendo "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, X). Salienta-se que o reconhecimento do dano moral coletivo não se vincula ao sentimento de dor ou indignação no plano individual de cada pessoa integrante da coletividade, mas, ao contrário, relaciona-se à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento e indignação da comunidade, grupo social, ou determinada coletividade, ante a lesão coletiva decorrente do descumprimento de preceitos legais e de princípios constitucionais. Em suma, a caracterização do dano moral coletivo se dá pela violação de um direito geral de personalidade, suficiente para fins de responsabilidade a demonstração do evento, visto que sentimentos como a tristeza, a angústia, a dor emocional da vítima são apenas presumidos (presunção hominis) e, por isso, prescindíveis de comprovação em juízo. Na situação em apreço, como já aludido, o Tribunal de origem entendeu comprovados os atos ilícitos praticados pela reclamada, a qual realizava consultas a bancos de dados de proteção ao crédito (SPC e SERASA), na fase pré-contratual, bem como exigia que os empregados firmassem declaração de inexistência de "restrições cadastrais, títulos protestados, ações de quaisquer espécie, incluindo ações penais e processos administrativos". Caracterizada, portanto, a conduta ilícita, apta a ensejar a obrigação de não fazer cominada, bem como o pagamento de indenização por dano moral coletivo. Recurso de revista não conhecido. (...)" (RR-14200-19.2008.5.15.0089, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 14/02/2020).

Na fundamentação do acórdão, proferido pela Primeira Turma do TST, foi feita referência a outras normas que versam acerca dos temas. Destacamos:

A Lei nº 12.414/2011, estabelece no artigo 15º que “as informações sobre o cadastrado constantes dos bancos de dados somente poderão ser acessadas por consulentes que com ele mantiverem ou pretenderem manter relação comercial ou creditícia”.

Já a Lei nº 13.709/2017 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD) “elenca, como fundamentos da disciplina de proteção de dados pessoais, o respeito à privacidade e a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem.”

Enquanto que a Lei nº 9.029/1995 veda atos discriminatórios. No seu artigo 1º, restou fixado que “é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.

Dessa forma, o que pode ser concluído é que os empregadores devem evitar a realização de pesquisas de restrições de crédito e de antecedentes criminais dos candidatos a emprego, sob pena de sofrerem processos com reivindicações de indenizações, ressalvadas as hipóteses acima autorizadas, em razão de entendimento pacificado no TST ou decorrentes da legislação em vigor.


A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA POLÍTICA NACIONAL INTEGRADA DA PRIMEIRA INFÂNCIA (PNIPI)

  

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

Introdução

A promulgação do Decreto nº 12.574, de 5 de agosto de 2025, representou um avanço significativo nas políticas públicas brasileiras voltadas à primeira infância, ao instituir a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI). Este instrumento legal consolida diretrizes para integrar ações governamentais e sociais, contemplando a promoção integral dos direitos das crianças de 0 a 6 anos. Dentre seus principais pilares está o reconhecimento do papel fundamental da sociedade civil no acompanhamento, formulação e avaliação dessas políticas.

1. Controle Social e Monitoramento

Um dos mecanismos mais relevantes para a atuação da sociedade civil na PNIPI é o exercício do controle social. O Decreto nº 12.574/2025 prevê a divulgação periódica de informações, relatórios e indicadores sobre a política (artigos 5º e 8º). Este processo estimula a transparência e a possibilidade de acompanhamento por parte da sociedade, incluindo organizações da sociedade civil, conselhos comunitários, universidades e cidadãos interessados.

Além de analisar os dados disponibilizados, é possível produzir estudos e propor melhorias para os programas em execução. Essa participação não só fortalece a fiscalização da política, mas gera insumos para ajustes e aprimoramentos contínuos.

2. Atuação em Conselhos e Espaços de Deliberação

A legislação brasileira já prevê, especialmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990, art. 88), a formação de conselhos em níveis municipal, estadual e federal. Tais órgãos, compostos por representantes do poder público e da sociedade civil, constituem um espaço privilegiado para o debate e fiscalização das ações destinadas à infância.

Por meio desses conselhos, a sociedade civil pode contribuir diretamente na definição de prioridades e na proposição de políticas públicas locais e regionais, participando das decisões que impactam o desenvolvimento infantil.

3. Proposição e Colaboração em Políticas e Ações

O Decreto nº 12.574/2025 busca promover a descentralização e a territorialização das políticas para a primeira infância, incentivando que diferentes territórios adaptem as estratégias às suas necessidades específicas. Neste contexto, organizações da sociedade civil podem:

Elaborar e apresentar propostas de ações específicas, adequadas às realidades locais.

Firmar parcerias com o poder público, por meio de termos de colaboração ou acordos de cooperação, para execução de projetos complementares ou inovadores.

Este ambiente incentiva a experimentação de novas práticas e a criação de soluções adaptadas, valorizando o conhecimento e a experiência das organizações sociais.

4. Participação em Consultas e Audiências Públicas

A construção, revisão ou avaliação dos planos e ações estratégicas da PNIPI deve, idealmente, ser permeada por processos participativos. A sociedade civil pode propor e participar de audiências públicas e consultas populares, contribuindo com sugestões, demandas e críticas fundamentadas.

Tais eventos ampliam o diálogo democrático, aproximando gestores, especialistas e a população, o que favorece a legitimidade e a eficácia das políticas implementadas.

5. Defesa de Direitos e Incidência Política

A defesa de direitos configura outro eixo essencial de participação. Cidadãos e entidades podem utilizar canais institucionais (como Ministério Público, conselhos tutelares e ouvidorias) para denunciar violações e demandar ações do poder público. Além disso, movimentos sociais e redes de advocacy podem mobilizar a sociedade, promover campanhas informativas e dialogar com gestores e parlamentares para assegurar o cumprimento das políticas previstas.

6. Transparência e Participação Digital

O Decreto reforça o uso de plataformas digitais, garantindo o acesso à informação e a promoção de processos participativos modernos. É possível acompanhar projetos, sugerir melhorias e monitorar o uso de recursos por meio de portais oficiais. A própria Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) confere a qualquer cidadão o direito de solicitar dados sobre políticas de primeira infância, execuções orçamentárias e demais documentos públicos.

7. Recomendações Práticas para uma Participação Eficaz

A participação da sociedade civil pode ser potencializada mediante algumas práticas essenciais:

Organização em coletivos ou redes, ampliando o alcance e a força das demandas.

Engajamento permanente nos conselhos e espaços de deliberação locais.

Acompanhamento regular de publicações oficiais e compartilhamento dessas informações com outros atores sociais.

Promoção de eventos e campanhas de conscientização sobre a importância da política para a primeira infância.

Utilização ativa dos canais de participação digital, registrando formalmente demandas e sugestões.

Conclusão

A implantação efetiva da PNIPI depende, em grande medida, do envolvimento ativo e vigilante da sociedade civil. O Decreto nº 12.574/2025 foi elaborado para ser um instrumento democrático e transparente, mas é a fiscalização social, a proposição de melhorias e a cobrança contínua por resultados que garantirão o avanço real das políticas para a primeira infância. Assim, quanto mais organizada, informada e ativa for a sociedade, mais próximos estaremos de assegurar o desenvolvimento pleno das crianças brasileiras―transformando diretrizes legais em experiências concretas e vidas mais dignas.

Finalizo lembrando do lançamento do Movimento Violência Sexual Zero, no dia 23/03/2025, em São Paulo (https://www.migalhas.com.br/depeso/429329/movimento-violencia-sexual-zero).