sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Direito de Concorrência Hereditária no Regime de Separação de Bens

DIREITO DE CONCORRÊNCIA HEREDITÁRIA NO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS

Bernardo José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio do Escritório Homero Costa Advogados

Manoella Queiroz Duarte Freitas
Estagiária do Departamento Empresarial do Escritório Homero Costa Advogados

Ao julgar o Recurso Especial nº 992.749[1], que tratou sobre o afastamento do direito sucessório do cônjuge supérstite (sobrevivente), no caso da separação convencional de bens, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em relatoria da Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, deu tratamento esclarecedor ao texto de lei vigente.

No caso específico, foi interposto Recurso Especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, no qual havia sido reconhecido o direito hereditário ao cônjuge “sobrevivente”, apesar de ser casado sob o regime de separação de bens.

Inconformados com a decisão, os herdeiros do falecido recorreram ao Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso, reconhecendo que o cônjuge “sobrevivente” não seria herdeiro necessário:

(...) Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência.

Antes de se adentrar à discussão sobre o julgado, é importante ressaltar os atuais regimes de bens tipificados no Código Civil:

- comunhão parcial;
- comunhão universal;
- separação total; e
- participação final nos aquestos.

Esses regimes tipificados não são taxativos, podendo o casal escolher um dos regimes tipificados, adequar um dos regimes específicos ou, até mesmo, adotar um regime misto. Neste sentido, o Enunciado 331 da IV Jornada de Direito Civil.

Dentro desse panorama, o “gênero” do regime de separação de bens é subdivido em 02 “espécies” (i) legal, também conhecido como regime obrigatório, e (ii) convencional.

O regime convencional, como se pode extrair do próprio nome, é proveniente do livre acordo entre os contraentes. Já o regime obrigatório, é aquele imposto pela lei a algumas pessoas, as quais – por determinadas características – não têm liberdade de escolha e, por isso devem necessariamente casar-se neste regime, por força do que determina o artigo 1.641 do Código Civil.

Em relação à possibilidade de escolha do regime pelos nubentes, antes da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), sabe-se que a modalidade supletiva era o da comunhão universal de bens. Com o advento dessa lei, passou-se então a adotar a comunhão parcial – aplicável diante da invalidez ou da própria ausência do pacto antenupcial.

Após a escolha do regime de bens, é necessário lavrar-se o pacto antenupcial, que apenas será dispensado para realização do casamento no caso da comunhão parcial (artigo 1.640, parágrafo único, do Código Civil).

Especificamente quanto ao regime de separação de bens, em regra, o patrimônio dos cônjuges não se comunica, permanecendo sob a administração exclusiva de cada um, podendo até ser alienado ou gravado de ônus real. Segundo a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, nesse regime, apenas os bens adquiridos na constância do matrimônio seriam comunicáveis.

A decisão do STJ, contudo, exclui a possibilidade de o cônjuge sobrevivente, casado pelo regime de separação de bens na espécie “convencional”, ter direito à concorrência hereditária com descendentes do cônjuge falecido. No caso em referência, as partes escolheram em seu pacto antenupcial pela incomunicabilidade de patrimônios adquiridos tanto antes, quanto após o casamento, inclusive rendimentos e frutos. Em outras palavras, foi priorizada a liberdade e autonomia da vontade privada e o princípio pacta sunt servanda.

A esse respeito, ao concluir que em nenhuma das hipóteses de separação de bens cabe direito a meação ou herança, a Ministra Relatora consignou:

(...) Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte.

Essa posição do STJ traz interpretação, no mínimo, esclarecedora, em relação à literalidade do artigo 1.845 do Código Civil, que elenca o cônjuge como um dos herdeiros necessários, ignorando as particularidades atinentes aos regimes de bens.

Não obstante, sabe-se que, nem sempre, o cônjuge supérstite será herdeiro necessário. Ainda que se leve em consideração a literalidade do artigo 1.829 do Código Civil, que elenca a “separação obrigatória de bens” como uma daquelas em que estariam excluídas da ordem de sucessão legítima.

Com base nessa leitura, parte da doutrina, representada por Walsir Edson Rodrigues Júnior[2] e Mauro Antonini[3], aponta favoravelmente à inclusão do cônjuge, mesmo casado sob o regime de separação de bens, como herdeiro:

“uma vez que o inciso I exclui a concorrência no regime da separação obrigatória de bens, sem mencionar a separação convencional, passou-se a entender na doutrina que, sendo convencional, o cônjuge concorre à herança em todos os bens.”

Nessa mesma linha, o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - ARROLAMENTO SUMÁRIO – EXCLUSÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE - SEPARAÇÃO UNIVERSAL DE BENS – REGIME CONVENCIONAL E NÃO OBRIGATÓRIO - DIREITO Á SUCESSÃO LEGÍTIMA - INTELIGÊNCIA DO ART. 1829, I, DO CC/02. 1. Não há falar em cerceamento de defesa se a parte teve acesso aos autos e aos documentos acostados. 2. O art. 1.829, inciso I, do CC/02, prevê o direito do cônjuge sobrevivente à sucessão legítima em concorrência com os descendentes, não configurando óbice o regime convencional da separação universal de bens, porquanto a exceção prevista na norma diz respeito ao regime de separação obrigatório previsto no art. 1640, parágrafo único, do mesmo diploma legal. (TJMG, Oitava Câmara Cível, Processo nº
1.0479.03.050346-6/001, Relator: Des. Elpídio Donizetti, Data do julgamento: 12/07/2012) (Grifou-se).


EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - DIREITOS SUCESSÓRIOS - CÔNJUGE SOBREVIVENTE - REGIME DA SEPARAÇÃOCONVENCIONAL DE BENS - ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO CC/02 - INTERPRETAÇÃO - CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA HERANÇA - REMOÇÃO DO INVENTARIANTE - ART.995 DO CPC - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE CONDUTA ILÍCITA, DESLEAL OU ÍMPROBA - REGULAR ADMINISTRAÇÃO DO ESPÓLIO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE REMOÇÃO – RESPEITO. À ORDEM LEGAL PREVISTA NO ART. 990 DO CPC. A mais adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão. Ademais, através da detida análise dos elementos trazidos aos autos, neste momento processual, não há como concluir, em juízo de cognição sumária, pela ilicitude na conduta do agravante/inventariante, o que justifica sua manutenção no cargo, mesmo porque respeitada está a ordem legal prevista no art.990 do CPC. (TJMG, Primeira Câmara Cível, Processo nº 1.0024.09.514308-7/001, Relator: Des. Geraldo Augusto, Data do julgamento: 13/12/2011) (Grifou-se)

No mesmo sentido, outros tribunais estaduais vêm aplicando esse posicionamento, como é o exemplo do TJRS e TJSP:

EMENTA: INVENTÁRIO. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM O FILHO. CABIMENTO. 1. A lei que rege a capacidade sucessória é aquela vigente no momento da abertura da sucessão. Inteligência dos art. 1.787 do CCB. 2. Tendo o casamento sido realizado pelo regime da separação convencional de bens, a cônjuge supérstite deve ser chamado para suceder, concorrendo com o filho do casal aos bens deixados pelo falecido. 3. Se a cônjuge supérstite cedeu os seus direitos hereditários à irmã do falecido, é descabida a exclusão da cessionária do processo de inventário. Inteligência do art. 1.829, inc. I, do CCB. (TJRS, Sétima Câmara Cível, Processo nº 70054717319, Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data do julgamento: 21/05/2013) (Grifou-se)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARROLAMENTO. Sucessão testamentária e legítima. Casamento pelo regime da separação convencional de bens. Cônjuge supérstite é herdeiro necessário do "de cujus" e concorre com os descendentes na legítima, ainda que beneficiado em testamento com 50% dos bens do espólio. Inteligência dos artigos 1.829, I, e 1.845, do Código Civil. Recurso provido. (TJSP, Quarta Câmara de Direito Privado, Processo nº 0080738-58.2012.8.26.0000, Relator: Des. Milton Carvalho, Data do julgamento: 30/08/2012) (Grifou-se)

Nesse contexto, a divergência entre o posicionamento jurisprudencial dos Tribunais Pátrios merece severa atenção não somente dos aplicadores do direito, como também de todos os casais pretendam enlaçar-se ou que já o tenham feito, sob o regime de separação de bens.

Daí a necessidade da realização de um planejamento sucessório, o que ao menos direcionará a repercussão patrimonial em caso de óbito.





[2] JÚNIOR, Walsir Edson Rodrigues; ALMEIDA, Renata Barbosa de. Direito Civil: Famílias. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 168.
[3] Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: coordenador César Peluzo. 4º ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010, p. 2153.

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