Bernardo José
Drumond Gonçalves
Sócio do Escritório
Homero Costa Advogados e especialista em Direito Processual
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 27 em 14/09/2010
De acordo com o Código
Civil de 2002 (artigos 1.793 e seguintes), há algumas formalidades que devem
ser atendidas para que se atribua validade e eficácia à cessão de uma herança.
A cessão de um quinhão
pode ocorrer a título gratuito ou oneroso, assim como de toda a herança ou de
parte dela. Deve ser formalizada mediante instrumento público, sob pena de
nulidade, ou submetido à autorização judicial (artigos 166 e 1.793, do Código
Civil).
A cessão perderá o caráter
de cessão, se realizada após a partilha dos bens. Contudo, o instrumento será
válido, mas na qualidade de mera alienação de bens.
Além disso, como bem frisa
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA¹, “não é a qualidade de herdeiro o objeto” da
cessão, mas apenas os “direitos que lhe assistem na sucessão aberta”. Também
consigna que o “cessionário recebe a herança no estado em que se encontra,
correndo portanto os riscos de ser mais ou menos absorvida pelas dívidas”.
EUCLIDES DE OLIVEIRA e
SEBASTIÃO AMORIM² acrescentam que esse direito de ceder a herança também
alcança “ao cônjuge sobrevivente, assim como é possível a cessão dos direitos
de meação”.
Como todo negócio
jurídico, é exigido que o agente seja capaz e, na hipótese de o cedente ser
casado, deve-se colher o consentimento expresso do cônjuge, o que apenas é
dispensável quando se tratar de separação de bens (artigo 1.647, I, do Código
Civil).
Conforme vedação disposta
no artigo 426, do Código Civil, “não pode ser objeto de contrato a herança de
pessoa viva”. Logo, é nula, de pleno direito, a cessão de direitos hereditários
realizada antes do falecimento da pessoa que der causa à abertura da sucessão.
Por força de Lei, é vedada
(ineficaz) a cessão, por um dos herdeiros, do seu direito hereditário, em
relação a qualquer bem da herança considerado singularmente (artigo 1.793, §2º,
do Código Civil), exceto se precedida de autorização judicial, enquanto estiver
pendente a indivisibilidade (§§3º e 4º).
Isso se justifica “pelo
caráter unitário e indivisível da herança até a partilha, conforme art. 1.791,
CC” (THEOTONIO NEGRÃO³).
No entanto, de acordo com
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, a autorização judicial pode ser dispensada caso
todos os demais herdeiros (maiores e capazes) expressem sua anuência quanto à
cessão do bem individualizado.
EUCLIDES DE OLIVEIRA e
SEBASTIÃO AMORIM ponderam que “o que é indivisível é somente o direito do
herdeiro, enquanto não efetuada a partilha, de sorte que pode livremente o
co-herdeiro dispor de sua cota hereditária, sem anuência dos demais”.
Destaque-se que a cessão
deve ser precedida de exercício do direito de preferência dos co-herdeiros, que
decairá no prazo de 180 dias após a transmissão (artigos 1.794 e 1.795, do
Código Civil).
Caso mais de um
co-herdeiro pretender a parte cedida, “entre eles se distribuirá o quinhão
cedido” (artigo 1.795, parágrafo único, do Código Civil).
Não se pode olvidar que se
trata de negócio jurídico de cunho aleatório, pelo que o cessionário assume o
risco de eventual alteração na quantidade de bens, assim como pela evicção,
ressalvada expressa disposição em contrário.
Importante também
salientar que a cessão abrange, em princípio, apenas os direitos hereditários
relacionados até a data da transação. Segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, no
caso de ocorrer eventual direito de acrescer, em virtude da renúncia de algum
co-herdeiro, “os direitos daí resultantes presumem-se não abrangidos no ato de
alienação do quinhão hereditário”. Igualmente, para o caso de sobrepartilha. De
toda maneira, nada impede que sejam realizadas ressalvas em sentido contrário
no termo de cessão.
Por fim, é possível
afirmar que a previsão legal que permite aos credores aceitarem a herança
renunciada, em nome do herdeiro renunciante (artigo 1.813, do Código Civil),
também se aplica para a hipótese de cessão, evitando-se a fraude contra
credores. Em outras palavras, o credor não poderá ser prejudicado por uma
manobra do devedor. Nesse sentido, a jurisprudência:
PENHORA REALIZADA NO ROSTO
DOS AUTOS - CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS - NEGADO PROVIMENTO. De acordo com
o disposto no art. 1.813, ""caput"", do Código Civil,
quando o herdeiro prejudicar seus credores, renunciando à herança, poderão
eles, com autorização do Juiz, aceitá-la em nome do renunciante. (TJMG 6ª
Câmara Cível Des. Rel. José Domingues Ferreira Esteves 1.0024.92.928073-3/002
DJ 7.8.2008)
Essas regras são
aplicáveis tanto para o inventário processado judicialmente, quanto para os
realizados em Cartório – por escritura pública (artigo 982, do Código de
Processo Civil).
Diante do exposto,
denota-se que o ato de cessão é revestido de algumas relevantes peculiaridades,
que não podem ser ignoradas, sob pena de representar prejuízo, seja aos
cedentes, seja aos cessionários.
_____________
¹ PEREIRA, Caio Mário da
Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Editora Forense,
2007. V.6. P. 75
² OLIVEIRA, Euclides
Benedito de e Sebastião Luiz Amorim. Inventários e partilhas: direito das
sucessões: teoria e prática. 21 ed. São
Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2008. p. 63
³ NEGRÃO, Theotonio, José
Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli, com a colaboração de João
Francisco Naves da Fonseca. Código Civil e legislação civil em vigor. 29 ed.
São Paulo: Saraiva, 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário