Simone Oliveira
Rocha¹ e Orlando José de Almeida²
¹Advogada, pós-graduanda em
Gestão Estratégica de Empresas pela Faculdade Newton Paiva
²Sócio
Coordenador do Departamento Trabalhista, Pós-Graduado em Direito
Processual pelo IEC - Instituto de Educação Continuada da PUC/MG, Diretor
Jurídico da Fundamar , Membro do Comitê Trabalhista e Previdenciário do CESA,
Membro da Comissão de Estágio da OAB/MG
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 04, em 16/07/2008
A Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho,
cuja a ratificação encontra-se atualmente em discussão no Congresso Nacional,
prevê que o empregador somente poderá dispensar o empregado se apresentar uma
causa justificada, por escrito, das razões para o término da relação de
trabalho. Se o trabalhador não aceitar as justificativas, terá a faculdade de
recorrer à Justiça, que poderá determinar a sua reintegração ao trabalho ou o
pagamento de uma indenização.
No último dia 02 de julho, a Comissão de Relações Exteriores
e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, por 20 votos contra 1, rejeitou a
ratificação da Convenção n.º 158 da OIT enviada ao Congresso pelo Governo (MSC
n.º 58/2008).
O Deputado Júlio Delgado, relator da Comissão, em seu voto, asseverou que a legislação
trabalhista brasileira já é suficiente para coibir a dispensa imotivada. Além
disso, mencionou que o tratado conflita com a Constituição, que estabelece o
pagamento de uma indenização neste caso (multa fundiária de 40%).
Não é a primeira vez que se tenta ratificar a Convenção n.º
158 da OIT. Em 1996, durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso,
a convenção foi ratificada e logo teve a constitucionalidade questionada no STF
(ADin 1480). O STF, em decisão liminar, suspendeu a aplicação da norma, mas
antes que o mérito da ADin fosse julgado, o presidente FHC formalizou a
denúncia à OIT através do Decreto 2.100/1996, tornando público que a Convenção
deixaria de ser cumprida no Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997,
perdendo a sua eficácia. Diante disso, o STF arquivou a ADIn n.º 1480.
Em fevereiro de 2008, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
ressuscitou a discussão, ao enviar ao Congresso, quase 10 anos depois, o pedido
de ratificação das Convenções 151 e 158 da OIT.
A bem da verdade, salvo melhor juízo, a Convenção n.º 158 da
OIT não trás nenhum benefício novo aos trabalhadores brasileiros.
Alguns juristas têm interpretado a Convenção de modo a
entender que o empregador não poderá mais realizar a dispensa imotivada, sendo
garantido o retorno ao emprego em qualquer circunstância, assim como na
hipótese de não aceitação da causa justificadora da dispensa.
Entretanto, o artigo 10º da referida norma apenas determina:
“Se os organismos mencionados no artigo 8 da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é justificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.”
A nossa legislação não garante a estabilidade ad eternum para
todos os empregados, mas sim estabelece os casos excepcionais nos quais a
relação de emprego é protegida contra a dispensa (dirigente sindical e gestante
– art. 10, II, do ADCT, por exemplo). Por outro lado, a indenização pela
dispensa imotivada já está prevista no art. 10, I, da ADCT.
Ou seja, a interpretação acima apontada contraria o disposto
na Carta Magna, de modo que a Convenção se torna inconstitucional e impossível
de ratificação.
Ademais, haveria um tratamento totalmente desigual. Enquanto
o empregado poderia, a qualquer momento e sob qualquer ou nenhuma justificativa,
deixar o seu emprego, o empregador estaria tolhido da mesma liberdade
(dispensar quem quisesse quando quisesse). Deve-se considerar também o caráter
genérico da norma e que atingirá tanto os grandes quanto os pequenos
empreendedores.
Conseqüentemente, a interpretação acima, ao invés de
contribuir para o pleno empregado, pode gerar o efeito contrário, inibindo
novas contratações e estimulando a busca de alternativas (trabalho informal,
terceirização, etc.). Afinal, quem gostaria de entrar em um relacionamento de
duração infinita e sem garantia de sucesso? Se até para o casamento, que
deveria durar “até que a morte os separem”, existe o divórcio, porque não para
a relação empregatícia?.
Por outro lado, a nossa legislação trabalhista é uma das mais
protecionistas do mundo e, exemplificativamente, prevê:
- a garantia de emprego para dirigentes sindicais, cipistas,
gestantes e empregados que sofreram acidente de trabalho, além de outras,
- a indenização em caso de dispensa imotivada (multa
fundiária de 40%);
- o aviso prévio de 30 dias (trabalhado ou indenizado);
- as ocasiões (taxativas) em que a justa causa pode ser
aplicada (art. 483 da CLT);
- o acesso à justiça caso o empregado discorde do motivo
ensejador da justa causa, possibilitando a reintegração ao emprego (quando
portador de garantia de empregou e/ou estabilidade) ou o pagamento de uma
indenização (reversão da dispensa para sem justa causa, com quitação da multa
fundiária);
- o direito ao seguro desemprego, auxílio-doença,
auxílio-acidente, aposentadoria por acidente, invalidez, tempo de contribuição
ou idade, salário-maternidade, etc.
Tais direitos também já estão consolidados tanto na doutrina
quanto na jurisprudência. O mesmo não ocorre com aqueles previstos na Convenção
nº 158 da OIT, que comportará várias discussões.
O seu artigo 4º, por exemplo, estabelece:
“Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”
Pode-se entender que a figura da dispensa sem justa causa
desaparecerá do ordenamento trabalhista e que a rescisão do contrato de
trabalho somente será realizada se houver um motivo para tanto, sob pena de
indenização.
Entretanto, o texto permite que empregador realize a dispensa
justificada alegando “necessidade de funcionamento da empresa,
estabelecimento ou serviço”, sem que tenha que pagar uma indenização. Ou
seja, as demissões que antes seriam classificadas como sem justa causa e,
consequentemente indenizadas, passarão a ser assim motivadas, não havendo mais
pagamento de qualquer indenização de forma espontânea (multa fundiária), mas
somente se a Justiça do Trabalho não acolher o motivo apresentado.
Ora, isso apenas diminuiria as indenizações quitadas, que
teriam, em todos os casos, de ser pleiteadas na justiça. Isto causaria um
aumento na procura do Judiciário, que ficaria ainda mais abarrotado e moroso,
majorando o tempo gasto na solução da lide e no recebimento de eventuais
valores.
De fato, a ratificação da Convenção n.º 158 da OIT apenas
seria justificável se a legislação brasileira fosse precária com relação aos
direitos dos trabalhadores, o que, evidentemente, não é o caso.
Portanto, se ratificada, ao invés de contribuir para tornar
os vínculos empregatícios mais estáveis, iria contribuir para a busca de
alternativas informais ou ilegais relativamente à mão de obra ou conturbar as
relações de trabalho.
Conclui-se, assim, que agiram com acerto o Deputado Júlio
Delgado e a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional ao rejeitarem a
sua ratificação, o que se espera seja seguido pelo restante do Congresso.
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