quarta-feira, 31 de julho de 2013

A Convenção n.º 158 da OIT – Interpretações e Implicações

Simone Oliveira Rocha¹ e Orlando José de Almeida²

¹Advogada, pós-graduanda em Gestão Estratégica de Empresas pela Faculdade Newton Paiva

²Sócio Coordenador do Departamento Trabalhista, Pós-Graduado em Direito Processual pelo IEC - Instituto de Educação Continuada da PUC/MG, Diretor Jurídico da Fundamar , Membro do Comitê Trabalhista e Previdenciário do CESA, Membro da Comissão de Estágio da OAB/MG

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 04, em 16/07/2008


A Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho, cuja a ratificação encontra-se atualmente em discussão no Congresso Nacional, prevê que o empregador somente poderá dispensar o empregado se apresentar uma causa justificada, por escrito, das razões para o término da relação de trabalho. Se o trabalhador não aceitar as justificativas, terá a faculdade de recorrer à Justiça, que poderá determinar a sua reintegração ao trabalho ou o pagamento de uma indenização.
No último dia 02 de julho, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, por 20 votos contra 1, rejeitou a ratificação da Convenção n.º 158 da OIT enviada ao Congresso pelo Governo (MSC n.º 58/2008).

O Deputado Júlio Delgado, relator da Comissão,  em seu voto, asseverou que a legislação trabalhista brasileira já é suficiente para coibir a dispensa imotivada. Além disso, mencionou que o tratado conflita com a Constituição, que estabelece o pagamento de uma indenização neste caso (multa fundiária de 40%).

Não é a primeira vez que se tenta ratificar a Convenção n.º 158 da OIT. Em 1996, durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, a convenção foi ratificada e logo teve a constitucionalidade questionada no STF (ADin 1480). O STF, em decisão liminar, suspendeu a aplicação da norma, mas antes que o mérito da ADin fosse julgado, o presidente FHC formalizou a denúncia à OIT através do Decreto 2.100/1996, tornando público que a Convenção deixaria de ser cumprida no Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997, perdendo a sua eficácia. Diante disso, o STF arquivou a ADIn n.º 1480.

Em fevereiro de 2008, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressuscitou a discussão, ao enviar ao Congresso, quase 10 anos depois, o pedido de ratificação das Convenções 151 e 158 da OIT.

A bem da verdade, salvo melhor juízo, a Convenção n.º 158 da OIT não trás nenhum benefício novo aos trabalhadores brasileiros.

Alguns juristas têm interpretado a Convenção de modo a entender que o empregador não poderá mais realizar a dispensa imotivada, sendo garantido o retorno ao emprego em qualquer circunstância, assim como na hipótese de não aceitação da causa justificadora da dispensa.

Entretanto, o artigo 10º da referida norma apenas determina:

“Se os organismos mencionados no artigo 8 da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é justificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.”

A nossa legislação não garante a estabilidade ad eternum para todos os empregados, mas sim estabelece os casos excepcionais nos quais a relação de emprego é protegida contra a dispensa (dirigente sindical e gestante – art. 10, II, do ADCT, por exemplo). Por outro lado, a indenização pela dispensa imotivada já está prevista no art. 10, I, da ADCT.

Ou seja, a interpretação acima apontada contraria o disposto na Carta Magna, de modo que a Convenção se torna inconstitucional e impossível de ratificação.

Ademais, haveria um tratamento totalmente desigual. Enquanto o empregado poderia, a qualquer momento e sob qualquer ou nenhuma justificativa, deixar o seu emprego, o empregador estaria tolhido da mesma liberdade (dispensar quem quisesse quando quisesse). Deve-se considerar também o caráter genérico da norma e que atingirá tanto os grandes quanto os pequenos empreendedores.

Conseqüentemente, a interpretação acima, ao invés de contribuir para o pleno empregado, pode gerar o efeito contrário, inibindo novas contratações e estimulando a busca de alternativas (trabalho informal, terceirização, etc.). Afinal, quem gostaria de entrar em um relacionamento de duração infinita e sem garantia de sucesso? Se até para o casamento, que deveria durar “até que a morte os separem”, existe o divórcio, porque não para a relação empregatícia?.

Por outro lado, a nossa legislação trabalhista é uma das mais protecionistas do mundo e, exemplificativamente, prevê:

- a garantia de emprego para dirigentes sindicais, cipistas, gestantes e empregados que sofreram acidente de trabalho, além de outras,

- a indenização em caso de dispensa imotivada (multa fundiária de 40%);

- o aviso prévio de 30 dias (trabalhado ou indenizado);

- as ocasiões (taxativas) em que a justa causa pode ser aplicada (art. 483 da CLT);

- o acesso à justiça caso o empregado discorde do motivo ensejador da justa causa, possibilitando a reintegração ao emprego (quando portador de garantia de empregou e/ou estabilidade) ou o pagamento de uma indenização (reversão da dispensa para sem justa causa, com quitação da multa fundiária);

- o direito ao seguro desemprego, auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por acidente, invalidez, tempo de contribuição ou idade, salário-maternidade, etc.

Tais direitos também já estão consolidados tanto na doutrina quanto na jurisprudência. O mesmo não ocorre com aqueles previstos na Convenção nº 158 da OIT, que comportará várias discussões.

O seu artigo 4º, por exemplo, estabelece:

“Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”

Pode-se entender que a figura da dispensa sem justa causa desaparecerá do ordenamento trabalhista e que a rescisão do contrato de trabalho somente será realizada se houver um motivo para tanto, sob pena de indenização.

Entretanto, o texto permite que empregador realize a dispensa justificada alegando “necessidade de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”, sem que tenha que pagar uma indenização. Ou seja, as demissões que antes seriam classificadas como sem justa causa e, consequentemente indenizadas, passarão a ser assim motivadas, não havendo mais pagamento de qualquer indenização de forma espontânea (multa fundiária), mas somente se a Justiça do Trabalho não acolher o motivo apresentado.

Ora, isso apenas diminuiria as indenizações quitadas, que teriam, em todos os casos, de ser pleiteadas na justiça. Isto causaria um aumento na procura do Judiciário, que ficaria ainda mais abarrotado e moroso, majorando o tempo gasto na solução da lide e no recebimento de eventuais valores.

De fato, a ratificação da Convenção n.º 158 da OIT apenas seria justificável se a legislação brasileira fosse precária com relação aos direitos dos trabalhadores, o que, evidentemente, não é o caso.

Portanto, se ratificada, ao invés de contribuir para tornar os vínculos empregatícios mais estáveis, iria contribuir para a busca de alternativas informais ou ilegais relativamente à mão de obra ou conturbar as relações de trabalho.


Conclui-se, assim, que agiram com acerto o Deputado Júlio Delgado e a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional ao rejeitarem a sua ratificação, o que se espera seja seguido pelo restante do Congresso.

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