segunda-feira, 21 de julho de 2014

Da inexistência de dimensão mínima para registro de área rural adquirida por usucapião



Pedro Augusto Soares Vilas Boas

Advogado do Escritório Homero Costa Advogados
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 34 em 20/04/2011



A propriedade rural familiar é disposta pelo Estatuto da Terra, em seu art. 4º, II (Lei 4.504/64), como sendo “imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros”.


Por sua vez, o módulo rural, previsto no art. 4º, III, do Estatuto, diz respeito ao tamanho mínimo da área para que dela se possa extrair o objetivo da propriedade familiar. Em outras palavras, o módulo rural é a área mínima em que uma família possa, com seu trabalho, se sustentar e progredir social e economicamente, nos termos do inciso II, do mesmo dispositivo.



Assim, o módulo rural nasceu com a justificativa de garantir a função social da propriedade. Cada região possui a sua modulação rural, que é definida com base em critérios econômicos locais.

O artigo 65 do Estatuto dispõe que “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”.

Muitas vezes, tal dispositivo pode levar à interpretação de ser impossível o reconhecimento legal de imóvel com área rural menor do que a da respectiva modulação.


No entanto, tal interpretação não pode prevalecer genericamente.

Por exemplo, nos casos de ações de usucapião que tenham por objeto áreas rurais com dimensões reduzidas, não há como negar a realidade fática, quanto à possibilidade de existência de posse mansa e pacífica em áreas rurais com tamanho reduzido. Em outras palavras, nessas hipóteses, não se pode afirmar que uma pequena gleba de terras (inferior ao módulo rural) não seria passível a aquisição originária por usucapião.

Ressalte-se que entre os requisitos para a ação de usucapião, não há qualquer um que exija área usucapienda com determinado tamanho mínimo.

É nesse sentido o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - IMÓVEL RURAL - ÁREA INFERIOR AO MÓDULO RURAL - IRRELEVÂNCIA - - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - RECURSO IMPROVIDO. O fato de a área ser inferior ao módulo rural estabelecido pelo artigo 5º, inciso III, do Estatuto da Terra, é irrelevante, pois esta regra somente se aplica em caso de transmissão da propriedade por ato voluntário entre pessoas vivas, mas nunca à usucapião que é modo originário de aquisição de propriedade. A área objeto de usucapião é utilizada - de longa data - para cultivo de milho e feijão, cumprindo sua função social. Aplica-se, pois, ao caso a regra da equidade, Conforme célebre decisão do Superior Tribunal de Justiça: ""Urge preocupar-se com o Direito Justo. A justiça social não pode ser postergada. Toda lei tem a ampará-la uma norma, um princípio. A lei é mero compromisso histórico com o Direito. Se ele não realiza a justiça, deve ser corrigido. Palavras de RADBRUCH: ‘não se pode definir o Direito, inclusive o Direito positivo, senão dizendo que é uma ordem estabelecida com o sentido de servir à Justiça.
(TJMG, Apelação Cível 1.0132.07.009389-7/001(1), 14ª Câmara Cível, Des. Relator Rogério Medeiros, DJ: 02/09/2010)


De qualquer forma, ainda que se tenha sentença procedente e transitada em julgado, pode-se encontrar empecilhos quanto ao registro da área usucapida que seja inferior ao módulo rural.

Assim, visando a evitar esses eventuais obstáculos, é importante estar atento quanto aos dispositivos legais citados abaixo.

A Lei nº 6.015/73 – Lei de Registros Públicos – exige como requisito da matrícula do imóvel rural os dados constantes do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR.

Por sua vez, a Lei nº 4.947/66, que dispõe sobre o funcionamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, em seu artigo 22, §5º, versa que:


§ 5o Nos casos de usucapião, o juiz intimará o INCRA do teor da sentença, para fins de cadastramento do imóvel rural.


Em suma, percebe-se que é possível e cabível o registro de imóveis rurais, com área inferior ao módulo, adquiridos por meio de ação de usucapição. Para tanto, deve-se atentar para que ocorra a intimação do INCRA, nos termos do art. 22, §5º, da Lei nº 4.947/66, visando a evitar possíveis empecilhos no ato do registro perante ao competente Cartório de Registro de Imóveis.



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