Gustavo Pires Maia da Silva
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
Guilherme Scarpellini Rodrigues
Estagiário de Homero Costa Advogados
Novas regras da Receita Federal sobre
responsabilização tributária de terceiros inovam o ordenamento jurídico e, em
certa medida, restringem o direito de defesa. A IN (Instrução Normativa) nº
1.862, em vigor desde 28 de dezembro de 2018, prevê quatro novas hipóteses de
imputação de responsabilidade fiscal.
Em uma delas, a atribuição poderá recair
ao sujeito passivo mesmo após a decisão definitiva que constituiu a dívida,
impedindo, dessa forma, a possibilidade de recurso no processo administrativo
fiscal.
Nessa hipótese, para eventual impugnação, o sujeito passivo deverá recorrer
ao próprio auditor fiscal que lhe imputou o débito, instaurando-se, assim, um
procedimento interno na Receita Federal, nos termos do art. 16 e parágrafos
seguintes, da norma.
Em última Instância, a apreciação do
recurso ficará a cargo da respectiva superintendência regional responsável pela
autuação.
São os termos do dispositivo:
Art.
16. É facultado ao sujeito passivo apresentar recurso, nos termos do art. 56 da
Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, em face da decisão que tenha imputado
responsabilidade tributária decorrente do crédito tributário a que se refere o
art. 15.
§
1º O recurso deve ser apresentado no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da
ciência da decisão recorrida, nos termos do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, e
se restringirá ao vínculo de responsabilidade.
§
2º O recurso será apreciado pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
que proferiu a decisão.
§
3º Na hipótese de não reconsideração da decisão, o Auditor-Fiscal da Receita
Federal do Brasil encaminhará o recurso ao titular da unidade.
§
4º Os recursos fundamentados no art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, contra a
decisão proferida pelo titular da unidade, são decididos, em última instância e
de forma definitiva, pelo titular da Superintendência Regional da Receita
Federal do Brasil (SRRF).
Entretanto, mais adequado seria, em
deferência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia, que
o recurso sobre o qual se discute o vínculo tributário fosse apreciado pela
própria Instância Administrativa onde foi constituído o débito: o CARF
(Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Assim, o direito de defesa seria exercido
de forma plena, perante um tribunal paritário, que conta com representação
equânime entre membros da Fazenda Pública e dos Contribuintes.
Aliás, em analogia à hipótese prevista
pela IN 1.862/2018, outras modalidades de responsabilização tributária
intempestivas já foram rechaçadas pelo CARF.
Por exemplo, a decisão proferida pela 1°
Turma da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais) — o Acórdão n° 9101-003.446
—, em que os conselheiros declararam nulas, por ofensa ao art. 146, do CTN
(Código Tributário Nacional), autuações complementares visando a imputar um
novo responsável tributário.
Isso evidencia um descompasso entre as
novas regras da Receita Federal e o entendimento firmado por um órgão
“jurisdicional” vinculado ao próprio Ministério da Fazenda.
Além dessa hipótese, a IN 1.862/18 abre
outras três ocasiões em que o crédito tributário poderá ser cobrado de
terceiro: na rejeição de um pedido de compensação; antes do julgamento na
Primeira Instância do Processo Administrativo Fiscal e, finalmente, nos casos
em que há confissão de dívida.
Ocorre que a ampliação desse rol,
invariavelmente, implica em inovação do ordenamento jurídico, revelando outro
ponto controverso no texto editado pela Receita Federal.
O art. 128, do CTN, é taxativo: elege a
lei como única fonte habilitada para definir as hipóteses de responsabilidade
tributária de terceiros. Eis a transcrição do dispositivo:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste
capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito
tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva
obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este
em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. (Grifo nosso).
Nesse sentido, em respeito ao princípio da
legalidade, uma instrução normativa, cuja função consiste em regulamentar a
execução da lei, jamais poderia invadir a competência legislativa.
É
inegável, contudo, que as novidades incluídas pela IN
1.862/18 abrem margem para questionamentos e dão ensejo à proposição de novas
ações judiciais.
Não por acaso, a via eleita para a
discussão de uma matéria complexa e de amplos efeitos práticos no exercício
fiscal não deveria ser outra senão o Congresso Nacional.
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