Luana Otoni de
Paula
Advogada,
especializando-se em Direito Processual pelo IEC – Instituto de Educação
Continuada – PUC/MG
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 21 em 04/02/2010
Sabe-se que o fundamento
constitucional para cobrança de tributos, assenta-se no dever do Estado de
manter serviços, realizar o bem-estar social e cumprir o idealizado no art. 3o.
da CR/88, que é a existência de uma sociedade livre, justa e solidária, com
garantia ao desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e a
marginalização, minorando, dia a dia as diferenças sociais e regionais. Para
tanto, o Estado deve buscar contribuições gerais dos cidadãos produtores de
riquezas, a fim de promover a justiça social, garantido o mínimo de bem estar a
todos os cidadãos do País.
Diante disso e,
considerando que o Supremo Tribunal Federal é o guardião primordial da
Constituição Federal, foi editada no último dia 11 de dezembro de 2009, a
Súmula Vinculante nº. 24, motivo pelo qual, parece-nos interessante registrar
algumas considerações acerca dos contornos constitucionais e processuais penais
os quais a questão abarca.
A Súmula Vinculante nº. 24
dispõe que: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto
no artigo 1o. incisos I a IV da Lei nº. 8.137/90, antes do lançamento
definitivo do tributo.”
O artigo 1o. incisos I a
IV da Lei no. 8.137/90, como afirmado na Súmula em análise, é um crime material
ou de resultado, só se consuma quando “(...) nele se reúnem todos os elementos
de sua definição legal.” (artigo 14, inciso I do Código Penal), que, in casu,
seria a ocorrência do efetivo prejuízo para o Estado com a supressão ou redução
do tributo, contribuição social e acessório.
A banalização do Direito
Penal Tributário entende como crime qualquer espécie de infração, até mesmo
aquelas que seriam meramente tributárias e/ou administrativas, o que se mostra
de todo desarrazoado já que o Direito Penal Tributário, assim como qualquer
outra matéria que o envolva, deve ser utilizado em prol da sociedade como
última opção, criminalizando condutas típicas realmente graves, que levam à
supressão ou minoração da arrecadação tributária, colocando em risco o dever
estatal de efetuar o bem estar da sociedade, distribuindo ou redistribuindo
riquezas.
Com efeito, em matéria de
crime contra a ordem tributária, infere-se que o tratamento dado pelo Estado ao
agente infrator é diferente daquele empregado, com maior rigidez, às outras
infrações que envolvam o patrimônio, até porque o objetivo maior do Estado no
cenário penal tributário não é a punição do agente, mas sim, receber o valor do
tributo, mantendo o padrão satisfatório da arrecadação.
Há, inclusive, leis
editadas tanto com o propósito de beneficiar o agente que sonegou tributo,
contribuição social ou qualquer acessório e outras que privilegiam o
parcelamento de débitos. O artigo 34 da no. Lei 9.245/95, por exemplo, dispõe
que “Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº. 8.137/90, e na
Lei 4.729, de 14 de julho de 1965 quando o agente promover o pagamento do
tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da
denúncia.” Se o contribuinte fez acordo para parcelamento do débito com a
Receita Federal ou outra autoridade fazendária, até o cumprimento integral da
obrigação, por óbvio não há condição de procedibilidade para instauração da
ação penal.
O Supremo Tribunal Federal
até a edição da Súmula Vinculante nº. 24 adotava o referido posicionamento como
dominante, sob a justificativa de que, sendo o crime tipificado no artigo 1o.
da Lei 8.137/90 condicionado à decisão final na esfera administrativa, sobre a
exigência fiscal do crédito tributário, somente há consumação da infração
quando ocorrer o lançamento definitivo do tributo, ou seja, apenas quando “(...)
a autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento,
assim entendido como procedimento administrativo tendente a verificar a
ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria
tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito
passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” (artigo 142
do Código Tributário Nacional).
A pretensão punitiva do
Estado e curso do prazo prescricional da infração ficam suspensos em razão do
parcelamento do débito, devendo, o Estado aguardar o cumprimento total da
obrigação. Havendo o pagamento integral do débito na esfera administrativa, há
extinção da punibilidade do agente no cenário judicial, por ausência de justa
causa para propositura da ação penal. Lado outro, havendo descumprimento do
parcelamento e, por conseguinte, o lançamento definitivo do tributo, ou mesmo,
decisão final na esfera administrativa, deverá a autoridade fiscal encaminhar
ao Ministério Público a representação, para que este Órgão proponha a ação
penal, uma vez configurada a condição objetiva de punibilidade.
Assim, agindo em
consonância com o Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal, tornou o
posicionamento até então majoritário, Súmula Vinculante, já que Princípios e
Garantias da Constituição não permitem que, pela antecipada propositura da ação
penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei lhe assegura para questionar,
perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse
submeter para fugir à marca perdurável, dissabor e riscos inerentes ao processo
penal.
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Referências
Bibliográficas:
Lei 8.137, de 27 de dezembro
de 1990 - Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as
relações de consumo, e dá outras providências.
Lei 5.172, de 25.10.1966 –
Código Tributário Nacional;
Decreto-Lei 2.848, de
7/12/1940 – Código Penal;
ADIN 1.571 – DF, Rel.
Ministro Gilmar Mendes – 10.12.2003, m.v, DJ 30.04.2004
Pleno, HC 81.611-DF, Rel.
Ministro Sepúlveda Pertence, 10.12.2003, m.v. DJ 13.05.2005.
Calmon, Sacha. Curso de
Direito Tributário Brasileiro, Ed. Forense; Comentários à Constituição de 1988
– Sistema Tributário. Ed. Forense, Rio de Janeiro – 2003.
Nucci, Guilherme de Souza
– Leis Penais e Processuais Comentadas / 3 ed. – rev. atual e ampl. – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
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