quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Considerações acerca da Súmula Vinculante nº 24 do STF

Luana Otoni de Paula

Advogada, especializando-se em Direito Processual pelo IEC – Instituto de Educação Continuada – PUC/MG

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 21 em 04/02/2010


Sabe-se que o fundamento constitucional para cobrança de tributos, assenta-se no dever do Estado de manter serviços, realizar o bem-estar social e cumprir o idealizado no art. 3o. da CR/88, que é a existência de uma sociedade livre, justa e solidária, com garantia ao desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e a marginalização, minorando, dia a dia as diferenças sociais e regionais. Para tanto, o Estado deve buscar contribuições gerais dos cidadãos produtores de riquezas, a fim de promover a justiça social, garantido o mínimo de bem estar a todos os cidadãos do País.

Diante disso e, considerando que o Supremo Tribunal Federal é o guardião primordial da Constituição Federal, foi editada no último dia 11 de dezembro de 2009, a Súmula Vinculante nº. 24, motivo pelo qual, parece-nos interessante registrar algumas considerações acerca dos contornos constitucionais e processuais penais os quais a questão abarca.

A Súmula Vinculante nº. 24 dispõe que: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1o. incisos I a IV da Lei nº. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”

O artigo 1o. incisos I a IV da Lei no. 8.137/90, como afirmado na Súmula em análise, é um crime material ou de resultado, só se consuma quando “(...) nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal.” (artigo 14, inciso I do Código Penal), que, in casu, seria a ocorrência do efetivo prejuízo para o Estado com a supressão ou redução do tributo, contribuição social e acessório.

A banalização do Direito Penal Tributário entende como crime qualquer espécie de infração, até mesmo aquelas que seriam meramente tributárias e/ou administrativas, o que se mostra de todo desarrazoado já que o Direito Penal Tributário, assim como qualquer outra matéria que o envolva, deve ser utilizado em prol da sociedade como última opção, criminalizando condutas típicas realmente graves, que levam à supressão ou minoração da arrecadação tributária, colocando em risco o dever estatal de efetuar o bem estar da sociedade, distribuindo ou redistribuindo riquezas.

Com efeito, em matéria de crime contra a ordem tributária, infere-se que o tratamento dado pelo Estado ao agente infrator é diferente daquele empregado, com maior rigidez, às outras infrações que envolvam o patrimônio, até porque o objetivo maior do Estado no cenário penal tributário não é a punição do agente, mas sim, receber o valor do tributo, mantendo o padrão satisfatório da arrecadação.

Há, inclusive, leis editadas tanto com o propósito de beneficiar o agente que sonegou tributo, contribuição social ou qualquer acessório e outras que privilegiam o parcelamento de débitos. O artigo 34 da no. Lei 9.245/95, por exemplo, dispõe que “Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº. 8.137/90, e na Lei 4.729, de 14 de julho de 1965 quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.” Se o contribuinte fez acordo para parcelamento do débito com a Receita Federal ou outra autoridade fazendária, até o cumprimento integral da obrigação, por óbvio não há condição de procedibilidade para instauração da ação penal.

O Supremo Tribunal Federal até a edição da Súmula Vinculante nº. 24 adotava o referido posicionamento como dominante, sob a justificativa de que, sendo o crime tipificado no artigo 1o. da Lei 8.137/90 condicionado à decisão final na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário, somente há consumação da infração quando ocorrer o lançamento definitivo do tributo, ou seja, apenas quando “(...) a autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido como procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” (artigo 142 do Código Tributário Nacional).

A pretensão punitiva do Estado e curso do prazo prescricional da infração ficam suspensos em razão do parcelamento do débito, devendo, o Estado aguardar o cumprimento total da obrigação. Havendo o pagamento integral do débito na esfera administrativa, há extinção da punibilidade do agente no cenário judicial, por ausência de justa causa para propositura da ação penal. Lado outro, havendo descumprimento do parcelamento e, por conseguinte, o lançamento definitivo do tributo, ou mesmo, decisão final na esfera administrativa, deverá a autoridade fiscal encaminhar ao Ministério Público a representação, para que este Órgão proponha a ação penal, uma vez configurada a condição objetiva de punibilidade.

Assim, agindo em consonância com o Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal, tornou o posicionamento até então majoritário, Súmula Vinculante, já que Princípios e Garantias da Constituição não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei lhe assegura para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir à marca perdurável, dissabor e riscos inerentes ao processo penal.
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Referências Bibliográficas:

Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990 - Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.

Lei 5.172, de 25.10.1966 – Código Tributário Nacional;

Decreto-Lei 2.848, de 7/12/1940 – Código Penal;

ADIN 1.571 – DF, Rel. Ministro Gilmar Mendes – 10.12.2003, m.v, DJ 30.04.2004

Pleno, HC 81.611-DF, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, 10.12.2003, m.v. DJ 13.05.2005.

Calmon, Sacha. Curso de Direito Tributário Brasileiro, Ed. Forense; Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário. Ed. Forense, Rio de Janeiro – 2003.


Nucci, Guilherme de Souza – Leis Penais e Processuais Comentadas / 3 ed. – rev. atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

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